sexta-feira, 3 de abril de 2009

O meu neto quer ser bombista

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Por Maria Filomena Mónica
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DE CADA VEZ QUE FICO EM CASA com alguns dos seus pimpolhos, a minha filha receia que regressem danificados. Com o tempo, a sua ansiedade tem vindo a diminuir, mas o medo de acidentes foi substituído pela ideia que de tal forma os mimo que eles lhes chegam às mãos mentalmente desarrumados. Há dias, depois de ter lido neste jornal que existia em Lisboa um «Borboletário», pensei que seria engraçado levar até lá o meu neto de cinco anos. Apesar de insistir que preferia andar de bicicleta, obriguei-o a ir até ao Jardim Botânico, um local que me é familiar desde a infância. Mal entrámos na estufa de borboletas, virou-se para mim e disse-me com ar blasé: «Mas eu já cá vim com a escola…».
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Furiosa, arrastei-o até ao átrio da antiga Faculdade de Ciências. Foi então que entrevi, ao longe, o «Laboratório Chimico». Entrámos na sala que fez o orgulho de António Augusto de Aguiar, olhando o anfiteatro restaurado na sua traça original. Pretendendo estimular o interesse do petiz pelas Ciências Exactas, mostrei-lhe o piano de reagentes, com as garrafinhas mágicas dentro de uma caixa de madeira. Expliquei-lhe que, em criança, o meu maior desejo fora ser química, pelo que os meus pais me tinham dado um estojo parecido com aquele, na base do qual fabricara umas bombas que iam incendiando a minha casa. Deambulámos os dois, felizes, por entre os bicos de Bunsen, a balança Becker e a estufa Adnet.
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Por ter ficado cansada, decidi entregá-lo directamente ao domicílio. Passados uns minutos, a minha filha já estava ao telefone: «Mas que diabo fez a mãe?». Fiquei surpreendida, porque não só devolvera o miúdo intacto como nem sequer o mimara. Do outro lado da linha veio a acusação: «Nada? Como assim? Ele afirmou sempre que gostava de ser polícia [um facto que podia atestar, dado termos andado as duas, em Londres, à procura de um capacete de «bobby»] e agora vem dizer-me que afinal prefere ser bombista». Se calhar, sou mesmo uma avó subversiva.
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Novembro de 2007
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.