sexta-feira, 24 de abril de 2009

Não se queixe muito

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Por Pedro Lomba
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TERÇA À NOITE, sintonizo a RTP para mais hora e meia da vida gloriosa de José Sócrates. O primeiro-ministro nunca surpreende. Números avulsos para o ar, odes à governação e uma mensagem que só passa na medida em que ninguém o confronte a sério. É assim com a crise. Sócrates não pode negar que Portugal já vivia em crise antes da crise financeira e continuará em crise depois dessa crise terminar. Mas a crua verdade do facto não importa muito a Sócrates, que responsabiliza prosaicamente o mundo por todos os males que nos assolam.
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De qualquer maneira, a entrevista inócua que deu à RTP teve, pelo menos, um mérito: mostrou o quanto os jornalistas irritam o primeiro-ministro. Aquela tremura pelas mandíbulas, o humor seco, a arrogância de estatuto com que tratou os dois jornalistas presentes como ignorantes (tirando Alberto João Jardim, confesso que nunca vi nada igual), chegando a perguntar-lhes se eles percebiam as perguntas que estavam a fazer, numa inversão de entrevistado para entrevistador, não enganavam. O primeiro-ministro anda nervoso. A vida não lhe corre bem. Convenhamos que o caso Freeport é um desconchavo, que há uma investigação em curso e jornalistas metediços fazendo perguntas. Para não falar do telejornal da TVI das sextas-feiras que manifestamente não aprecia Sócrates e que, segundo este, promove o seu "assassínio de carácter". Só razões para lamúrias.
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Mas eu penso que há talvez uma maneira de ajudar o primeiro-ministro. De lhe transmitir paz e tranquilidade. Ele que pense num conjunto de políticos bem mais importantes do que ele. Bill Clinton. Alguém ainda se lembra da virulência jornalística que destruiu a reputação do ex-presidente americano, que o defenestrou publicamente como um mentiroso compulsivo e um psicomaníaco? E Tony Blair: tanto quis controlar a imprensa que acabou várias vezes por ser vítima dessa mesma imprensa, na guerra do Iraque ou em inúmeros escândalos que rodearam o seu governo. Bush até podia ter a Fox News em campanha permanente por ele, mas o New York Times não tinha autorização para entrar no avião de Dick Cheney tal era a oposição que fazia ao poder republicano.

A questão é esta: durante décadas, os políticos portugueses, sobretudo no governo, existiram num ambiente fechado, sem grande tradição de liberdade de imprensa (o século XIX, comparado com o presente, era uma selvajaria), sem jornais e televisões agressivas, sem concorrência entre meios de comunicação social, sem blogosfera, sem obrigações várias de informação. Esse mundo acabou um pouco por todo o lado. Hoje a vida de um primeiro-ministro é, por fatalidade das circunstâncias, mais difícil e desgastante. Sócrates que não se queixe e, sobretudo, não queira ele ter boa imprensa precisamente por ter boa imprensa. Não funciona assim.
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«DN» de 23 de Abril de 2009
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

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