sábado, 12 de junho de 2010

As vouvuselas e a crise

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Por Antunes Ferreira

NÃO SABIA O QUE ERA uma vouvuzela. Santa ingenuidade e candura q.b. Quando ouvi pela primeira vez o termo, palavra que pensei que era qualquer coisa comestível, que tivesse aparecido a enriquecer um qualquer menu. A minha mulher reprovou-me com alguma acrimónia - que eu só pensava em comida. Não lhe respondi. Tal como no famoso debate televisivo, pensei para mim mesmo que não respondo a provocações.

Amigos ou similares, classificaram-me como espécime em vias de extinção, ao saberem do meu desconhecimento. Outros, aliás bastantes, suspeitaram e disseram-no que se tratava de mais uma das minhas habituais facécias. Que já sabiam o que a casa gastava e que eu estava mas era a mangar com o pessoal.

Porém, por uma destas noites mais caldas, estava tranquilamente a atirar-me ao teclado, quando me entrou pelo escritório que me dou ao luxo de ter em casa, um som tonitruante e simultaneamente pungente. Teria fugido o elefante do sininho do Zoológico? Parecia-me um lamento de proboscídeo capturado, prestes a regressar ao seu fosso nas Laranjeiras.

Fui à varanda e os decibéis continuavam em registo lancinante; mas de animal trombudo nenhum vestígio. No prédio há um, o vizinho do terceiro andar, exactamente por cima do meu, que quando o encontro no elevador ou na garagem vem sempre de trombas como se fora um trabalhador da Função Pública a trabalhar ao domingo. Sem horas extraordinárias.

Face à situação e aos desacordes que não cessavam, vim para dentro e perguntei à caríssima metade o que seria aquele tsunami sonoro. Ela olhou-me como se estivesse perante o ET do Spielberg. São umas duas ou três vouvuzelas. São quê? Duas ou três, quiçá mesmo quatro vouvuzelas. Disseste que não sabias o que eram; agora já sabes.

Calei-me para não agravar a questão. Mas, depois, aquando da transmissão televisiva de um jogo treino da selecção nacional, descobri o que eram esses instrumentos demoníacos, misto de trombeta e cana rachada que produziam um alarido sonoro de tal ordem que quase me levou a não assistir ao jogo com Cabo Verde. De resto, melhor seria que me tivesse retirado, tal a pobreza da prestação do Cristiano Ronaldo & ajudantes. Sem esquecer o Queirós, o Carlos, que não o Eça.

Originárias da África do Sul e vendidas por requisição nos postos da Galp, originando bichas, perdão, agora diz-se filas - por mor de más interpretações e piores intenções – de extensão impensável. Custam um euro esses objectos de tortura auditiva e tudo indica que seja um óptimo negócio. Pelo menos, foi esse o comentário do Marques, que se dedica à prestimosa tarefa de atestar o depósito do meu Hyundai com gasosa de 95 octanas.

Começou em Joanesburgo o Mundial e o tormento para os tímpanos e para os restantes componentes dos ouvidos, incluindo os estribos. Valha-nos, porém, uma coisa: a partir de ontem não há crise. Que resista às vouvuzelas. Portugal acalmou e até o nosso primeiro dorme mais descansado. Se não tiver uma qualquer vouvuzela por baixo da sua varanda.