sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

As Relações entre a Igreja e o Estado

.
Por Maria Filomena Mónica
.
HÁ MUITO QUE AS RELAÇÕES entre a Igreja e o Estado não são pacíficas. No século XIX, depois da expropriação dos bens religiosos, venceu o Estado. A fúria inicial da Santa Sé acabou por ser substituída por um modus vivendi tolerável para ambas as partes. No fim do século, o anti-clericalismo não parou de crescer, um rio de ódio que desembocou na República. Jacobino, o novo regime fez tudo o que pôde para humilhar a Igreja. Esta vingou-se: em 1926, os católicos venceram. O Estado Novo dar-lhes-ia praticamente tudo o que desejavam. Assim se viveu durante quarenta anos. Em 1974, veio o 25 de Abril. Prudentes, os socialistas – com destaque para Mário Soares – tentaram moderar os ímpetos anti-clericais de alguns sectores do partido. Em 1975, com meios legítimos e ilegítimos, a Igreja lutou contra a hegemonia comunista. Mas fomos poupados à violência anti-clerical da I República.
.
O Partido Socialista decidiu incluir na sua agenda política algumas «questões fracturantes», de que a mais importante parece ser o casamento entre homossexuais. Não sou partidária do casamento. Na minha opinião, trata-se de uma instituição cuja data de validade tende a ser cada vez mais curta e cujo poder simbólico é patético. Não percebo qual o motivo que leva os «gays» a quererem casar à força.
.
Em vez de insistirem neste ponto – que, diga-se, não condeno como tal – penso que, como os outros portugueses, deviam era lutar pela liberdade de testar. É aqui que o problema reside: se os bens são nossos, porque não nos autoriza o Estado a deixá-los a quem nos apetece? Ninguém pensa nisto, mas garanto que fosse outra a legislação, a sociedade portuguesa ganharia.
.
Mantendo-me dentro da actualidade, devo ainda declarar que concordo com a revisão da Concordata. Aliás, esta já havia sido revista, em 1975, no que diz respeito a um ponto importante: o da proibição, até então estabelecida, de os cônjuges que se haviam casado na Igreja poderem, uma vez separados, voltar a casar-se pelo civil. Quanto ao ensino da religião, é matéria que deve ser deixada aos pais. A colocação de crucifixos nas salas de aula públicas não é legítima num Estado laico, mas não gostava de ver ressuscitada a histeria à volta da questão, pelo que espero que o assunto seja tratado com delicadeza. Quanto à existência de sacerdotes em hospitais e prisões, estou de acordo, desde que os doentes e presos não sejam sujeitos a pressões indevidas para usarem os serviços religiosos e que as suas crenças sejam respeitadas. Como gostava de lembrar Salazar, Portugal nasceu à sombra do Catolicismo, mas é hoje uma sociedade em que existem fés diversas.
.
Finalmente, a secularização da sociedade portuguesa tem muitas causas, de que devemos salientar o rápido desaparecimento do campesinato. Quem saiu das serras dificilmente regressa ao conforto da mensagem religiosa. Desde há muito que a Europa – a que, sem o saber, pertencíamos – deixou de acreditar em Deus. As sociedades avançadas são hedonistas, individualistas e cépticas. Foi aliás por o saber que, em vésperas da adesão de Portugal à CEE, a Conferência Episcopal se pronunciou contra essa opção. Quanto às «vocações» sacerdotais é simples: antes da II Guerra Mundial, a única maneira de uma criança pobre ascender na vida, em Portugal, era através do seminário. Este cenário mudou. Para sorte de nós todos.

.
Blogue «Sorumbático» – 13 Fevereiro de 2009
.
NOTA: Este post é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.