terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ouvidos nos dedos

Por Nuno Crato
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SE O LEITOR EXPERIMENTAR sentir um cabelo com o tacto, por exemplo rolando-o entre os dois dedos, muito naturalmente conseguirá notá-lo. Feche os olhos e experimente. O diâmetro de um cabelo humano tem poucos centésimos de milímetro e os dedos conseguem senti-lo. Não há mais nenhuma parte do seu corpo capaz de o fazer.
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Há muito que os especialistas se têm intrigado com essa capacidade sensorial. As linhas salientes das pontas dos dedos parecem ter um papel decisivo. Essas linhas, habitualmente chamadas cristas, são as projecções na superfície da pele das chamadas papilas dermo-epidérmicas. No seu topo, os ductos das glândulas sudoríparas abrem-se em poros, que são muito densos na ponta dos dedos e que os lubrificam constantemente. Só assim os nossos dedos conseguem desempenhar tão bem as funções de preensão e locomoção a que estamos habituados. Só assim,
também, os dedos têm a extrema sensibilidade que o leitor terá acabado de notar.
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Ao fazer a experiência, o leitor terá reparado também que é mais fácil sentir o cabelo ou um pequeno objecto se mexer os dedos. Isso acontece pois com esses movimentos a pequena pressão que o objecto faz vai-se fazendo sentir em partes diferentes da pele. Com um pouco de paciência, o leitor notará ainda que os dedos atingem uma sensibilidade óptima movendo-se a certa velocidade. Se rolar de novo o cabelo entre os dedos, reparará que nada consegue sentir se os mexer muito lentamente, tal como nada conseguirá sentir se os mover com grande rapidez.
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Nos últimos anos, têm sido feitos grandes progressos na compreensão deste poder táctil. Percebeu-se que há dois mecanismos distintos. A percepção de objectos maiores, digamos, maiores que um quinto de milímetro, usa a variação de pressão sobre a pele e é mediada pela adaptação lenta dos nossos receptores mecânicos. Em contraste, para objectos menores, como é o caso dos cabelos, é necessário que os dedos se mexam, provocando vibrações mecânicas. Aqui entram em campo os chamados corpúsculos de Pacini, descobertos em 1835 pelo anatomista italiano Filippo Pacini (1812–1883). Há poucos anos, percebeu-se que esses finos órgãos sensoriais codificam as vibrações resultantes da passagem das cristas dos dedos pelos objectos, sendo mais sensíveis a oscilações na ordem dos 250 Hz, isto é, 250 oscilações por segundo.
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Esta semana, num artigo publicado pela “Science”, quatro cientistas de um laboratório de física estatística da Universidade de Paris, relatam uma série de experiências e de cálculos que clarificam a forma como essa frequência aparentemente tão elevada é obtida pelos nossos dedos. O que acontece é que as cristas das pontas dos dedos, ao roçarem pelos objectos a determinada velocidade óptima, produzem vibrações cutâneas — som — que atingem essa frequência ou suas harmónicas (submúltiplos e múltiplos), entrando em ressonância com os corpúsculos de Pacini. Daí a necessidade de mexer os dedos a determinada velocidade.
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De momento, as experiências são apenas feitas com modelos mecânicos e as conclusões tiradas por meio de cálculos típicos da análise matemática de sinal, sobre a possível modulação de frequências. Mas já se percebeu que temos uma espécie de ouvidos nas pontas dos dedos.

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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 7 de Fevereiro de 2009 (adaptado).
NOTA: Este post é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.