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Por Manuel João Ramos
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I married myself
I'm very happy together
This time it's gonna last
(Sparks)
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COMEÇO POR ESCLARECER que não sou católico, e que a minha profissão – a antropologia - é provavelmente aquela que mais estimula a compreensão das diferenças culturais e a adopção de posturas relativistas. E também esclareço que este esclarecimento não merece ser entendido como um refinamento da frase “Alguns dos meus melhores amigos até são gays, mas...”.
I'm very happy together
This time it's gonna last
(Sparks)
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COMEÇO POR ESCLARECER que não sou católico, e que a minha profissão – a antropologia - é provavelmente aquela que mais estimula a compreensão das diferenças culturais e a adopção de posturas relativistas. E também esclareço que este esclarecimento não merece ser entendido como um refinamento da frase “Alguns dos meus melhores amigos até são gays, mas...”.
A minha apreensão em relação a toda a polémica em torno do chamado “casamento gay” deriva sobretudo do facto de parecer haver uma conspiração de silêncio colectiva em relação ao princípio da universalidade, basilar em qualquer edifício legislativo, que recomenda que se legisle o interesse particular em conformidade com o interesse geral e com outros interesses particulares.
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Há treze anos, o ensaísta Charles Krauthammer escreveu um interessante artigo na revista Time, onde considerava juridicamente indefensável discriminar positivamente a união homossexual no momento de alargar as fronteiras conceptuais do casamento. Isto porque, lembrava ele, a consequência lógica da extensão do âmbito legal de forma a abarcar os interesses de casais homossexuais, em nome do direito à não discriminação de opções individuais ou culturais, em sociedades “multi” ou “pós” culturais, deveria ser a abolição dos princípios de monogamia e de proibição de incesto.
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Dito de outro modo, ao pormos em causa a concepção de que o casamento tradicional ocidental é uma união entre duas pessoas de sexo oposto sem laços familiares próximos, em nome do reconhecimento de direitos particulares, estaremos a discriminar arbitrariamente entre uniões homossexuais e uniões polígamas e incestuosas.
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Mais recentemente, Krauthammer escreveu outro artigo no Washington Post, desta vez a propósito das actuais polémicas envolvendo as pretensões de legalização da poligamia nos Estados Unidos. Aí, afirma que o surgimento destas novas fórmulas de casamento são o sintoma, e não a causa, do esboroar do matrimónio tradicional perante a prevalência de ideologias individualistas radicais.
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Seguindo esta linha de raciocínio, aquilo que os legisladores, opinadores e políticos portugueses deveriam actualmente estar discutir não é a legitimidade do casamento gay mas sim se este deve ser autorizado sem legalizar também a união incestuosa entre parentes de primeiro grau e a união poligâmica (ou melhor, poliamorosa). A razão é a seguinte, e foi sublinhada por Krauthammer: a justificação mais geralmente aceite para a primeira proibição é a eventualidade de dele resultar uma prole geneticamente anómala. Já a premissa monogâmica assenta numa justificação cultural e não biológica: a poligamia não só carece de fundamento normativo no mundo ocidental por não ser suportada por preceitos religiosos, ao contrário da lei islâmica, mas exprime uma assimetria estatutária entre homens e mulheres, inadmissível no direito ocidental. Assim, preceitos e crenças religiosas à parte, os defensores do casamento gay deverão, por maioria de razão e em nome do princípio de universalidade do direito, defender toda a união incestuosa de que não resulte uma prole geneticamente enfraquecida e toda a união poliamorosa que não promova assimetria entre sexos.
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A legalização do casamento gay implica contestar o princípio do casamento tradicional, definido como uma união entre dois indivíduos de sexos opostos e sem laços consanguíneos. Então, a lei resultante não deverá distinguir entre o direito de dois indivíduos do mesmo sexo, não aparentados entre si, a casar e adoptar filhos, e o direito de três indivíduos consanguíneos e do mesmo sexo à união matrimonial e à adopção. Dito de outro modo, será lógica e juridicamente inadmissível a legalização do casamento homossexual, caso se recuse o seu corolário mais extremo – nomeadamente, o casamento homossexual incestuoso poligâmico.
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Se colocamos em causa um dos critérios definidores da noção de casamento (o facto de ser uma união entre sexos opostos), então que justificação lógica e jurídica haverá para não descartarmos todos os outros (nomeadamente, o facto de ser uma união restrita a dois indivíduos não consanguíneos)?
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O mais curioso, e diríamos paradoxal, em toda esta polémica é a insistência com que as ideologias individualistas radicais, subjacentes ao casamento gay, se afirmam como bandeiras da esquerda, e não da direita.
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NOTA: Este post é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.