sábado, 14 de fevereiro de 2009

O mau uso do português

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Por Alice Vieira
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PRONTO, LÁ VOU EU BATER OUTRA VEZ no ceguinho do costume, mas que é que querem, estas questões do mau uso da nossa língua, ou de um certo desamor com que ela é tratada - a sério que me tiram do sério (como se diria certamente numa qualquer telenovela brasileira onde, regra geral, se fala bem melhor português do que nas nossas…)
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Eu sei que para a maior parte das pessoas isto não tem importância rigorosamente nenhuma, não nos vai tirar da crise, não vai resolver o problema do desemprego, nem sequer nos protege do buraco do ozono.
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Mas a língua portuguesa é património nacional — e se andamos sempre todos tão entusiasmados em votações para eleger o melhor monumento, ou a maior maravilha do mundo, por que não nos lembramos de defender com igual vigor a utilização correcta da língua que, afinal, é o que a todos nos une?
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Basta ler os jornais e revistas, basta ouvir o que se diz nas televisões, basta ler legendas em filmes ou séries, basta ouvir o discurso de pessoas com responsabilidades na matéria para percebermos a que ponto vai o descalabro.
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Ainda há dias o jornalista Joaquim Vieira, provedor dos leitores do “Público”, enchia uma página inteira só de reparos a mau português usado naquele jornal. É caso para dizer, nunca as mãos lhe doam…
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Foi exactamente o que eu pensei há dias quando, sentada na plateia do Coliseu, no intervalo da “Giselle” interpretada pelo Ballet Nacional da Moldávia, comecei a folhear o programa do espectáculo.
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Papel couché, brilhante, oito folhas com meia dúzia de fotografias e pouco texto.
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Quem quis o programa, teve de dar por ele 4 euros, que a vida está difícil para todos.
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Claro que o programa de um espectáculo não tem as mesmas responsabilidades de um jornal, mas, caramba!, tínhamos pago 4 euros por ele (mais do que por um programa habitual dos concertos da Gulbenkian, e esses sempre com muita , e cuidada, informação), o mínimo que devíamos exigir era um texto em português escorreito.
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Infelizmente não encontrei em lado algum o nome do seu autor, e tive pena.
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Logo a começar, Adolphe Adam é-nos apresentado como “um proliferado compositor”, o que não augura nada de bom…
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Depois, no libreto, ficamos a saber que o príncipe se transforma em camponês ”sobre o pseudónimo de Loys”.
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Uma das personagens — dizem-nos também - é descoberta “no linear da meia-noite”.
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A qual, no fim de tudo, acaba por sucumbir de “exaustam”.
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Dir-me-ão: ah, afinal há só quatro erros…
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Respondo: não devia haver nenhum.
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Dir-me-ão outra vez: ah, se calhar o texto estava escrito em moldavo …
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Respondo: se calhar estava mas, uma vez que tinha de ser traduzido, a tradução devia ter sido feita com rigor.
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E, já agora, com um revisor competente.
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«JN» de 15 de Fevereiro de 2009. NOTA: Este post é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.