terça-feira, 10 de agosto de 2010

A lâmpada de pirilampos

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Por Nuno Crato

QUANDO LIA as histórias do Tio Patinhas e do Pato Donald, uma das minhas personagens favoritas era o Professor Pardal. Era um inventor prodigioso, que construía lâmpadas escuras para escurecer lugares claros, vassouras mecânicas para escovar fatos, banheiras com mãos mecânicas que ensaboavam as pessoas e outros aparelhos fabulosos.

Uma das invenções do professor Pardal era um cata-pirilampos. Era uma espécie de computador que observava os voos desses insectos, registava a sua posição nos momentos em que estavam luminosos e previa onde eles iriam aparecer na próxima luminescência. Aí, o Professor Pardal tinha uma espécie de ratoeira voadora que os aprisionava. O invento era muito prático… depois de ter capturado umas centenas de pirilampos numa gaiola, o nosso inventor usava-os como lâmpada para iluminar o seu laboratório.

Descobri mais tarde que o preditor de voo dos pirilampos tinha uma correspondência real no trabalho de dois grandes matemáticos: o russo Andrei Kolmogorov e o norte-americano Norbert Wiener. No tempo da Segunda Grande Guerra, trabalhando isoladamente, cada um deles resolveu o problema de prever uma trajectória (por exemplo, de um avião inimigo) com base em observações com ruído e possivelmente espaçadas (por exemplo, observações de radar). O movimento de um pirilampo, que apenas se observa por comparação das suas posições nos curtos momentos em que está luminoso, é um bom exemplo desse problema. O Professor Pardal sabia do que falava.
No que o inventor se iludia era na possibilidade de ter uma lâmpada de pirilampos de luz contínua. Imaginava que, iluminando-se os insectos aleatoriamente, em qualquer momento haveria sempre alguns pirilampos acesos e, por isso, a luz total não piscaria. Era uma boa ideia, mas uma ideia irrealista.

Com efeito, desde meados do século XX que os biólogos têm vindo a descobrir que há alguma sincronia na iluminação dos pirilampos. Os insectos não produzem luz independentemente uns dos outros. Quando estão a distâncias em que se podem observar mutuamente, começam a piscar em simultâneo. Por vezes, o fenómeno é espectacular. Observe-o o leitor numa destas noites de Verão: quando há muitos pirilampos numa área, há momentos em que todos ou quase todos se iluminam ao mesmo tempo e a noite se acende de pontos luminosos.

As razões do fenómeno não são ainda entendidas, mas uma experiência recente, relatada na revista “Science” (DOI: 10.1126/science.1190421), traz alguma luz a este fenómeno. Dois biólogos norte-americanos colocaram pirilampos fêmea num recipiente e observaram a sua reacção a luzes cintilantes que simulavam pirilampos macho. Quando as luzes estavam sincronizadas, a reacção luminosa das fêmeas era muito forte. Quando as luzes piscavam desordenadamente, as fêmeas mantinham-se indiferentes.

Os biólogos especulam que a sincronização dos machos é uma estratégia que facilita a identificação de cada insecto e o sucesso da correspondente atracção sexual. Se os machos piscassem de forma desordenada, as fêmeas teriam dificuldades em seguir um deles em particular, pois seria difícil perceber a sua posição. Com as luzes sincronizadas, é mais fácil perseguir um macho.

Percebe-se por que razão a lâmpada de pirilampos do Professor Pardal seria útil como pisca-pisca, mas não para iluminar o seu trabalho. Quem diria que havia sexo à mistura?

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 7 Ago 10 (adapt.)