quinta-feira, 19 de agosto de 2010

OS RAPAZINHOS ANDRÓGINOS

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Por Maria Filomena Mónica

O MUNDO ESTÁ a ficar bissexual. Se não acreditam, peguem na última GQ e olhem o anúncio da Calvin Klein, com aquele rapazinho de cabelo grisalho-platinado ou o da Daniele Alessandrini, no qual são fotografados jovens do sexo masculino: concentrem-se no rapaz loiro, de cabelo aparado como se fosse uma menina, e notem a maneira como se apresenta. Estas coisas não acontecem por acaso.

A valorização da juventude é antiga. Quando as sociedades são machistas, como é o caso de Portugal, isto dá origem a casamentos entre seres de idade diferente, com o homem a figurar no papel de conjugue idoso, ao lado de uma rapariguinha desejável e fértil. Alguns colegas, todos homens, optaram por casar, em segundos matrimónios, com as lolitas que se passeiam pelos corredores das Faculdades. A não ser quando a coisa ultrapassava o decoro, nunca me pronunciei, mas esta opção sempre me pareceu um disparate. De facto, não entendo como alguém que se gaba da sua inteligência, serenidade e cultura pode viver ao lado de um ser que não partilha as suas perspectivas, ideias ou cultura. Concedo que algumas jovens têm maturidade suficiente para manterem conversas interessantes, mas a maioria parecem-me vir de outro planeta.

Curiosamente, a moda está a invadir o campo feminino. Algumas actrizes, como Demi Moore, exibem, sempre que a oportunidade surge, os seus toys boys. Num recente artigo na Pública, meia dúzia de mulheres portuguesas, casadas com homens bastante mais novos, ostentavam a sua felicidade. Se o amor se reduzisse ao físico, seria eu a primeira a estar a seu lado, mas, para o bem e para o mal, não é esse o caso.

Reconheço que a anatomia de um corpo jovem, seja ele de um homem ou de uma mulher, é mais belo do que um gasto pela idade. Não partilho a visão politicamente correcta de que um nu de sessenta anos é tão bonito quanto o de um adolescente: não, não é. No caso das mulheres, só recentemente descobri a falácia. Suponho que o facto de ter nascido numa família conservadora e educada num colégio de freiras, me impedira, até a esse momento, a contemplação do nu feminino. Há uns anos, após ter paralisado das costas, fui encaminhada para um centro de fisioterapia, onde tive acesso a tal visão. A inveja que ela em mim suscitou foi atenuada ao ter conhecimento que a hora por mim escolhida, o meio-dia, era a preferida por alguns modelos. É por saber que a beleza de um ou de uma jovem é suprema que compreendo a nostalgia de Burt Lancaster ao olhar Claudia Cardinale no baile de O Leopardo, de Visconti. Ele sabe que ela não é para ele, o que não o impede de ter saudades do tempo em que o poderia ter sido.

Mais do que a idade dos figurantes nos referidos anúncios, o que me impressionou foi a proposta do objecto sexual como um ser andrógino. As características tradicionais do homem e da mulher – ele, com braços peludos, ela com mamas grandes – estão a desaparecer, o que é simultaneamente novo e antigo. Na Grécia clássica, o objecto por excelência do desejo era o rapazinho. Em geral, a tão falada homossexualidade dos gregos não tinha lugar entre adultos, mas entre um adulto e um menino. Basta olhar o vaso, patente no Museu Ashmolean e reproduzido no livro de Simon Goldhill, Love, Sex and Tragedy, para compreendermos como, para os gregos, funcionava a relação ideal. À época, o problema da pedofilia não se punha, até porque, entre os parceiros, não havia penetração ou violência. Com o passar dos anos, o hábito desapareceu, tendo as mulheres voluptuosas ressuscitado – basta olhar os quadros de Rubens – mas o ideal clássico não desapareceu.

Nos tempos modernos, a figura que mais se aproxima da beleza adolescente é Tadzio, o efebo encarnado por Björn Andresen, em Morte em Veneza. Os seus cabelos loiros, o seu corpo pré-púbere e as suas feições efemininadas enlouquecem o agonizante von Aschenbach. Trata-se, neste caso, de um desejo de natureza homossexual, mas basta pensar no Cherubino, de Le Nozze di Figaro, para percebermos que os meninos também encantam condessas. Os tempos mudam, o desejo menos.

«GQ de Junho 2009