sábado, 23 de outubro de 2010

Bem-vindos ao inferno!

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Por João Duque

A UNIÃO EUROPEIA tanto exige contas públicas sãs como aceita estas trapaças contabilísticas que só iludem ignorantes.

Paulo Trouxa, conhecido pelo "Pê-Tê" lá do bairro, morreu. Chegado às portas do paraíso, tem de escolher entre o céu ou o inferno, depois de experimentar um e outro durante 24 horas.

O dia no Inferno foi uma delícia: companhias femininas meio desnudadas com corpos divinos e sensações inesquecíveis; desportos variados; refeições abundantes, compostas por iguarias e bebidas nunca antes provadas; amigos em cavaqueira e animação constante, em festas de fim da tarde a desfrutar paisagens lindas; música alegre e estimulante; tudo limpo, arrumado e grátis!

O dia no céu foi sensaborão: anjos e mais anjos assexuados, cobertos por pudicas túnicas, a tocarem em harpa música tristonha a convidar à reflexão intimista; refeições ligeiras, acompanhadas exclusivamente por água, adequadas à paz do corpo e do espírito; vida monótona, sem alterações de cor, música, ritmo ou movimento; sensação de bem-estar que até chateia...

A escolha foi óbvia: "Quero o inferno!"

Regressado ao inferno entra num local horrendo: lixo por todo o lado, gente horripilante, suja e faminta, agrilhoada, a trabalhar arduamente sob um sol escaldante, num deserto de nada, a uma temperatura insuportável... Um inferno!

- Mas eu não escolhi isto! - gritou o Pê-Tê.

- Pois não - respondeu-lhe o Diabo - Antes estava em campanha, agora apanhei o teu voto! Too late, eh, eh, eh!...

O fundo de pensões da PT foi transferido para a gestão do Estado, passando igualmente para este a responsabilidade do mesmo. Se o negócio tivesse sido feito com uma seguradora, e admitindo que realizado ao justo valor, não teria qualquer impacto nos resultados do ano, porque os ativos transferidos (dinheiro e outros valores mobiliários) seriam iguais às responsabilidades futuras.

Como é feito com o Estado, tudo é diferente: a receção dos ativos é reconhecida como uma receita, e esquece-se os passivos. Isso será uma responsabilidade de outros... Como se não existissem!

Enganamo-nos, sob a batuta da União Europeia, que tanto exige que apresentemos contas públicas sãs como aceita estas trapaças contabilísticas que só iludem ignorantes.

Como o sistema de pensões de reforma vai colapsar a prazo, uma vez que se prevê um número crescente de pensionistas a serem suportados por um número decrescente de ativos, o equilíbrio do futuro será, inevitavelmente, feito à custa da redução das pensões. Em 2028, o número de pensionistas já será igual ao número de ativos, admitindo que Portugal vai conseguir manter os atuais, não se verificando nova hemorragia de emigrantes semelhante à dos anos 60, o que é muito provável, face ao triste crescimento económico que antevemos para a próxima década. Partirão os mais novos, os mais aptos, os mais enérgicos e produtivos. Ficarão os mais velhos e os mais dependentes.

E haverá condições para manter os compromissos destes novos quadros da PT para o futuro? Claro que não. Uma vez integrados, virá um dia em que o plafonamento das reformas será imposto, depois as reduções das pensões a escalões mais baixos, e por aí fora... Também não imaginava um corte nos salários...

Eu que já estou no inferno deste sistema de pensões do Estado saúdo os novos que aí vêm: Bem-vindos ao inferno!
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«Expresso» de 16 Out 10