quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Cabrais

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Por João Paulo Guerra

O PARTIDO Socialista está estranhamente silencioso em relação à tremenda desigualdade social que resulta desta visão de austeridade governamental que penaliza irremediável e drasticamente os mais pobres. Ou será que, à semelhança de outras osmoses e outros fenómenos miméticos, o PS também absorveu do PSD a Lei da Rolha?

Raras vozes socialistas, marginais, lá se manifestaram criticamente em relação ao draconiano plano de austeridade do Governo do PS. Henrique Neto, sempre ele, denunciou o facto de a austeridade governamental não tocar na gordura do Estado nem nos interesses da oligarquia. Jorge Coelho comentou que se o consumo vai por água abaixo nos afundamos na recessão. Retirado da política para a política dos negócios, Coelho é o que resta do PS que em 2002 contestou a austeridade de Durão Barroso, responsabilizando-a por transformar uma crise financeira numa crise económica. Como transformou. E Henrique Neto é um homem de grande independência, porque, ao contrário da generalidade dos militantes e quadros satélites do PS, não precisa dos favores do aparelho, não anda a abichar colocações ou empenhos. De resto, no PS, zero em espírito crítico em matéria social.

Quando o PSD de Passos Coelho aprovou formalmente a adopção de uma famigerada Lei da Rolha, o PS chamou estalinista à decisão. Mas o estalinismo tem bigodes cada vez mais depilados e disfarçados. A rolha estalinista do PSD será a rolha democrática do PS. E se no PSD ninguém pode abrir a boca em matéria de eleição presidencial, no PS todos têm que aplaudir a austeridade que, de corte em corte, vai acabar por cortar a base eleitoral do próprio partido. Mas em silêncio. Afinal, toda esta casta política que agora até dá vivas à República descende dos Cabrais do século XIX.
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«DE» de 6 Out 10