sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Ó Lua que vais tão alta

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Por Antunes Ferreira

DEFINITIVAMENTE, a tradição já não é o que era. Ao longo do tempo, a Lua serviu de inspiração a poetas e prosadores, condicionou as marés, equacionou os partos, influenciou a agricultura, alumiou as religiões; e as devoções. A nossa, pois que existe, só no sistema solar, uma caterva delas. A Terra, modestamente, possui só uma. Talvez por isso se farte de trabalhar diversificadamente. E convém não nos esquecermos que apenas tem dois quartos. Tudo indica, sem casa de banho.

Tome-se o exemplo do Portugal que somos. O Povo, essa entidade anónima, matreira e sabedora, que anteriormente cheirava mal dos pés e dos sovacos, dispensou-lhe sempre uma enorme atenção. A expressão andar na Lua cada vez é mais frequente. Cidadãos cumpridores dos seus deveres cívicos e maritais integram essa imensa mole humana dos lunáticos. Dos políticos, nem é bom falar. Não foi, porém, ainda possível relacionar a Lua com a crise ou a discussão do OE 2011. Não se desespere: lá chegaremos.

Do anedotário que ela motivou é melhor nem falar. O fado, como não podia deixar de ser, também a incluiu nas suas letras: enquanto Lisboa namora o Tejo, a Lua arrasta a asa ao Sol. Neste caso é uma situação perfeitamente platónica; quando ela se deita, levanta-se o outro. Era o caso da mulher-a-dias casada com um guarda-nocturno. Nos tempos em que os havia.

Quando Neil Armstrong desceu cautelosamente do módulo lunar Eagle e pisou o solo, fez uma afirmação que ficou para a História do planeta azul: «Este é um pequeno passo para o homem, mas um enorme salto para a humanidade». A missão Apollo 11 resultara em cheio; a Lua perdia a aura que até então a envolvera. Conta-se que uma senhora idosa da província comentara que não era verdade. Se o homem tivesse chegado lá acima, caía. Newton não diria melhor. A partir de então, o nosso satélite vulgarizou-se. Com directo na televisão e tudo.

Estava-se nisto, quando chega a notícia de que a Lua não é o planeta seco e desolado que se imaginava e a prova chegou após uma experiência da NASA que, nos finais do ano passado, fez embater contra a superfície do planeta satélite um engenho de 2,3 toneladas que libertou uma grande quantidade de água. Face a isto, os cientistas acreditam na possibilidade de construir na Lua um posto exterior permanente para a humanidade.

Mas não só a H2O que ali existe em cristais finíssimos resultou da explosão na cratera Cabeus. Uma sonda LCROSS seguiu o engenho e analisou os destroços do embate que causou uma cratera de 20 a 30 metros de diâmetro. O resultado deixou os cientistas da NASA eufóricos. A descoberta ultrapassou todas as expectativas. O solo lunar é mais rico e complexo do que os geólogos pensavam. Uma variedade de elementos pode ser ali encontrada. Prata, hidrogénio e mercúrio são alguns deles. O Senhor Júlio Verne persiste em ser profeta, quiçá maior do que Maomé.

E é isto. Vamos, a partir de agora, estar atentos ao que se seguirá. Minas enormes, face às também enormes potencialidades do subsolo lunar vão ser exploradas, espera-se que sem o dramatismo da chilena San José, em Copiapó. Deixem-me que vos diga: as imagens directas do resgate dos 33 mineiros enterrados a 700 metros de profundidade, pela cápsula Fénix, trouxeram-me à memória a alunagem.

Como se poderá dizer nos dias que vão correndo, face às descobertas dos segredos do nosso satélite, a quadra popular «ó Lua que vais tão alta; redonda como um tamanco; ó Maria traz-me a escada; que eu não chego lá c’o banco»?