terça-feira, 16 de março de 2010

Dia do pi

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Por Nuno Crato

ESTE ANO, 14 de Março cai num domingo, por isso é menos provável que seja assinalado nas escolas. É já amanhã, este dia tão especial para a matemática. Tem sido comemorado como dia do pi, pois o dia 14 do mês 3 pode representar-se como 3,14, que é a aproximação mais usada para esse curioso número que todos conhecemos.

É talvez a constante mais famosa da história da matemática. É a razão entre o perímetro de uma circunferência e o seu diâmetro, ou a razão entre a área do círculo e o quadrado do seu raio. Foi notada desde tempos antigos. O registo mais antigo que se conhece é o do célebre papiro de Rhind (c. 1650 a.C.), em que se explicava que um quadrado de lado 8/9 do diâmetro de uma circunferência “tem a mesma área que o círculo”. Feitas as contas, isto significa que o autor do papiro, um escriba de nome Ahmes, considerava que pi era igual a 256/81, ou seja, cerca de 3,1605. A aproximação não era má. O erro era inferior a 0,6%.

Claro que a aproximação do escriba egípcio é apenas uma aproximação. Se assim não fosse teria feito a quadratura do círculo, ou seja, a indicação de um meio de construir um quadrado com área equivalente à de um círculo dado. Durante séculos, matemáticos e simples curiosos perseguiram furiosamente este objectivo, o de inventar um processo que apenas usasse régua não graduada e compasso e, num número finito de passos, conseguisse construir um tal quadrado a partir de um dado círculo. Mas em 1882, na consequência de um difícil teorema demonstrado pelo matemático alemão Ferdinand von Lindemann, ficou a saber-se que a quadratura do círculo é impossível.

Cerca de um milénio depois do papiro de Rhind, no Livro dos Reis, no Antigo Testamento, escrevia-se que pi era igual a 3. Terá sido ignorância ou apenas liberdade poética? Não se sabe de facto, mas aí se diz que no templo de Salomão (século X a.C.) foi construído um recipiente “de dez côvados de uma borda à outra, perfeitamente redondo” e que “um cordão de trinta côvados o cingia em redor” (7:23). Quer isto dizer que uma circunferência de diâmetro dez côvados teria um perímetro de trinta?

Esta passagem da Bíblia tem sido muito discutida. Houve quem dissesse que a medida do diâmetro incluiria a largura do bordo (“um palmo”, Livro 2 das Crónicas, 4:5), mas o perímetro seria medido pelo interior. Assim as contas bateriam certo, pois estava-se a medir o perímetro de uma circunferência e o diâmetro de outra. E houve quem dissesse que sendo “impossível adoptar um valor exacto para a razão”, o Livro de Reis “terá escolhido um número arredondado” (rabi Maimonides, século XII).

Já houve quem legislasse sobre o valor de pi. Em 1897, um médico de Indiana, convenceu o seu representante na câmara do Estado a decretar que pi era simplesmente três. Regressava-se à verdade bíblica e simplificavam-se as contas, dizia. A proposta foi aprovada, mas logo cancelada.
O ano passado, o Congresso norte-americano foi mais sábio. Designou 14 de Março o “Dia do pi”. Na resolução (H.Res.224 de 21 de Março de 2009) dizia-se que “Pi é um número irracional, que continua indefinidamente sem se repetir e foi calculado até um milhão de milhões de dígitos”, mas que “pode ser aproximado como 3,14”. Assim, o congresso encorajou “as escolas e educadores a celebrar este dia com actividades apropriadas”. Não quer nenhum deputado português propor uma resolução semelhante?

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 13 Mar 10