sexta-feira, 19 de março de 2010

"Bullying" - (*)

Por Helena Matos

OS ESTRANGEIRISMOS têm a extraordinária vantagem de nos mostrar em primeiro lugar que o problema não é só nosso. Depois transformam aquelas coisas que, em português, são muito cruas e directas, como a violência e a indisciplina, num conceito mais do que num facto, uma coisa algures entre o pensamento negativo e o pensamento positivo.
Uma criança de doze anos sai da escola e atira-se ou cai ao rio. Imediatamente, começa a discussão sobre o bullying: seria agredido? Agressor? Traquinas? Triste?… E ninguém se interroga sobre como é possível que não uma mas sim várias crianças tenham saído de uma escola sem que ninguém controlasse essas saídas.

Nas escolas reais, públicas ou privadas, civis, militares, laicas ou religiosas, pode acontecer um acidente, um suicídio, uma agressão. Nas escolas dos redondos vocábulos, ninguém presta declarações sobre um aluno que saiu a meio das aulas e acabou morto nas águas de um rio. Mas amanhã os mesmos que agora se calam nessa escola, vão sentar-se em seminários sobre bullying organizados por direcções regionais e institutos, fazer acções nas escolas sobre bullying e integrar comissões preventivas de bullying. Os mais sortudos até se livrarão de vez de ter de dar aulas a alunos da escolaridade obrigatória e tornar-se-ão especialistas em bullying, ascendendo ao ensino superior, onde, por enquanto, não existe oficialmente bullying, ensinarão os futuros professores a lidar com o bullying e dir-lhes-ão para não serem preconceituosos nem terem ideias feitas sobre a disciplina que obviamente defendem que não deve ser imposta mas sim “nascer da interacção entre a criança e o meio”.
Entretanto, as portarias continuarão sem funcionários, os muros com palavrões escritos, os pátios sem vigilância e os funcionários ou professores que tentarem contrariar este estado de coisas a correrem o risco de serem enxovalhados pelos alunos ou respectivas famílias. E sobretudo a sua carreira registará negativamente essa incompreensão das “novas realidades articuladas com as vivências disruptivas” ou “formas de expressão não convencionais em meio escolar”, como lhes lembrarão os outrora colegas que se tornaram especialistas em bullying.

«Público» e Blasfémias
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(*) - Como já se percebeu (e no seguimento do que aqui foi dito acerca de prémios não reclamados), os livros cujas capas aqui se vêem serão atribuídos aos autores dos melhores comentários que venham a ser feitos, no Sorumbático, até às 20h do próximo dia 22.