sexta-feira, 26 de março de 2010

A Nossa Luta

.
Por João Duque

12 DE OUTUBRO DE 1972. Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa corre o rumor de que os PIDES iam a “Económicas” arrear na estudantada. “- Vamos lá!” Foram vários. Um não voltou.

Com 26 anos e muita esperança José António Ribeiro Santos vê um polícia da PIDE com uma pistola na mão a vociferar contra um grupo de jovens que, numa sala de aula queriam, entre outras coisas, dizer o que pensavam. Ribeiro Santos avança sobre o polícia que, ao disparar o fuzila ali mesmo. Há mais tiros. José Lamego também leva uma chumbada, mas escapa com vida.

Este episódio é uma das histórias que o ISEG retém na sua memória de quase um século, uma escola que formou grande parte da elite do pensamento e da decisão económica e empresarial de Portugal.

Estudei, aprendi e fui avaliado na sala onde morreu o Ribeiro Santos. O nome desse jovem que não conheci foi-se tornando comum para mim e foi com melancolia que assisti à recente demolição dessa sala com o seu nome.

Fiquei com a sensação de que, com esse abate, se perdia uma das memórias dessa Escola, porque não é comum que numa escola tenha morrido um estudante que desejava a liberdade de pensar e discutir as ideias. Uma Universidade é sempre, por definição, um espaço de diversidade e cerceá-la é contranatura.

No mundo globalizado de hoje temos de aprender a trocar bens e serviços, mas também ideias. E ouvi-las, mesmo que nos digam algo diferente do que pensamos. No espaço global, conhecer o diferente é a forma de vencer porque nos aproxima “do outro” com inteligência.

As melhores escolas de Gestão e de Economia que mais ajudam a preparar o futuro profissional dos jovens, são as que mais destrezas dão aos seus estudantes. A exposição à diversidade é, seguramente, um dos melhores meios para se robustecer os educandos. Por isso, escolas com diversidade de culturas e de correntes de pensamento são hoje campos férteis para o desenvolvimento de conhecimento e fertilização de ideias e projectos.

Ensinar e aprender na uniformidade é opção para alguns, é mais fácil e protege quem a ela se acolhe, mas não aproxima da realidade nem prepara para a vida.

Viver é um acto de coragem e de esforço. Sempre foi e será. E mesmo que em certos momentos um episódio nos derrube, forte não é o que não cai, mas o que sabe levantar-se. A morte de um jovem é sempre motivo de grande tristeza pelo que deixa por fazer. O seu contributo para as escolas que o lembram está na riqueza que a liberdade de expressão permite. Ela garante o escrutínio, impõe o zelo, aumenta responsabilidade e permite até a coordenação e afina os princípios.

Nunca o José António esperou que tantos amigos que nem o conheceram estivessem com ele no que seria o dia do seu 64º aniversário, 19 de Março de 2010, ali no ISEG uma escola que, não sendo a dele, com ele ficou.

A luta não termina.
-
«Expresso» de 20 Mar 10