segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A BELEZA AO MICROSCÓPIO

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Por Nuno Crato
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PARA SURPRESA de muitos leigos, os matemáticos e os cientistas têm em alto apreço a beleza das suas teorias. Jacques Hadamard (1865–1963), que escreveu um estudo sobre a mente inventiva, defendia que a beleza era a motivação mais importante para a descoberta. Esse matemático francês citava, por exemplo, transformações geométricas concebidas pelo seu contemporâneo Élie Cartan (1869–1951). Dizia que a única motivação dessas criações tinha sido a sua simplicidade e coerência, valores estéticos portanto. Mas década e meia depois, experiências físicas com electrões apenas puderam ser interpretadas com os instrumentos criados por Cartan. Interrogava-se pois Hadamard sobre a possibilidade de a beleza matemática funcionar como critério de verdade.
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O físico inglês Paul Dirac (1902–1984) ia ainda mais longe. Dizia que «é mais importante ter beleza numa equação do que ajustá-la ao resultado da experiência». A ideia tem sido referida vezes sem conta. O matemático alemão Hermann Weyl (1885–1955) dizia que quando tinha de escolher entre a verdade e a beleza, «usualmente escolhia a beleza».
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Muito recentemente, os psicólogos têm procurado perceber se o sentido estético é apenas o resultado do amor dos cientistas à sua arte ou se deriva de algo mais profundo na mente humana. Procuraram-se explicações na chamada «fluência de processamento», que representa a velocidade de assimilação da informação. A mente humana teria tendência a considerar mais plausível aquilo que mais facilmente apreenderia. Ora tudo o que revela simetria e simplicidade é habitualmente considerado mais belo que os arranjos informes e complexos. E também mais apreensível.
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Uma explicação da biologia evolutiva para esta preferência pode ser dada pelo facto de o equilíbrio simétrico de um potencial parceiro sexual ser, em geral, um traço característico da sua saúde e, portanto, da sua fecundidade. Mas essa explicação também tem sido posta em causa, pois encontra-se uma preferência pela simetria em muitas áreas não relacionadas com a sexualidade. A biologia moderna, não considera, como o fazia a psicanálise, que o sexo é tudo.
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Três investigadores noruegueses da universidade de Bergen acabam de publicar no número de Dezembro da revista «Psychonomic Bulletin & Review», páginas 1174–8, um estudo empírico que constitui provavelmente a primeira indicação empírica do uso da simetria por via da fluência de processamento no raciocínio matemático. Pediram a voluntários que classificassem como certas ou erradas contas representadas por bolinhas. Verificaram que, à medida que a complexidade das contas aumentava e a velocidade de processamento exigida era maior, as pessoas tendiam a classificar como certas as equivalências em que as bolinhas estavam dispostas de acordo com padrões de simetria facilmente reconhecíveis. Essa tendência não pode ser explicada pela facilidade de fazer as contas com disposições regulares dos objectos — os voluntários tendiam a escolher os arranjos simétricos, mesmo quando ele estavam errados.
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São resultados ainda modestos. Habitualmente é assim. Mas é a primeira indicação estatisticamente controlada da importância dada à beleza como critério indicativo da verdade. Hadamard tinha razão.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 29 de Novembro de 2008 (adapt.); foto de Jacques Hadamard
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