sábado, 20 de dezembro de 2008

A impunidade dos banqueiros

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Por J.L. Saldanha Sanches
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A IMPUNIDADE DOS BANQUEIROS delinquentes, o bloqueio da justiça e em especial do Ministério Público e da polícia estão a gerar clima de desconfiança e de revolta, escreve Mário Soares.
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Tem carradas de razão. Mas vale a pena perguntar porquê.
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Recordando apenas factos recentes, ainda há pouco estava a Assembleia da República a aprovar um Código do Processo Penal destinado a tornar mais difícil prender seja quem for. Mais uma norma sobre anti-abuso responsabilidade civil do Estado e seu agentes (incluindo os magistrados que parecia ser especialmente destinada a intimidar os juízes). Notícias do bloqueio, eficientemente completado com estas duas medidas.
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Foi assim conseguida a difícil tarefa de deixar a justiça ainda pior do que já estava (o que não era fácil): mesmo antes do aumento do crime violento e das derrocadas financeiras provocadas pela crise que revelam crimes.
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Mais importante que o funcionamento da justiça teria sido o funcionamento dos mecanismos que impedem a fraude. Só uma pequena parte dos 50 mil milhões de dólares roubados por Madoff como o seu esquema Ponzi (em português, D. Branca) vai ser restituída na acção penal que corre contra, apesar de essa restituição ser a condição primeira para conseguir alguma atenuação de penas dos responsáveis menores.
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Christopher Cox, presidente da SEC (que não pertence à linha Constâncio), já admitiu as suas culpas e promete uma investigação sobre o motivo pelo qual o órgão de polícia financeira não atendeu às informações específicas e dignas de crédito sobre crimes financeiros nos fundos geridos por Madoff, cujo funcionamento só parou quando foram atingidos pela crise. Tudo irá ser investigado incluindo relações pouco claras entre ex-inspectores da SEC e os fundos a funcionar segundo o esquema Ponzi. Normalmente estas falhas clamorosas podem ser explicadas.
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Quando a prevenção falha, resta a acção penal: o lugar dos Madoff é na cadeia e isso é uma condição mínima para que haja um mínimo de confiança no mercado de capitais. É muito mais importante prevenir que remediar e por isso é que temos comissões reguladoras da bolsa, auditores e regulação do mercado financeiro. A acção penal tem como função aumentar a aversão ao risco dos gestores do sistema reduzindo o número dos que estão disponíveis para estas perigosas aventuras.
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Mas desde que haja uma perigo efectivo é essencial que o sistema penal (desde as normas aplicáveis até ao sistema preparado para as aplicar) esteja concebido para tornar possíveis e prováveis condenações como estas.
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Em Portugal, não estão e a política legislativa deste Governo tem sido orientada no sentido de tornar ainda mais improvável que estas condenações possam ser obtidas.
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A impunidade dos banqueiros que suscita a indignação tardia de Mário Soares tem por isso causas e responsáveis.
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É uma escolha política: podemos criar um sistema penal que ao mesmo que consagra as garantias de defesa que permite perseguir com eficácia qualquer tipo de crime (a evolução do Direito Penal norte-americano do séc. XVIII aos nossos dias é o melhor exemplo disso) ou um sistema, típico dos países que chegaram tarde à democracia, onde o discurso garantístico paralisa a acção penal.
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É uma opção democrática: o que é dispensável são as indignações de crocodilo.
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«Expresso» de 20 de Dezembro de 2008; www.saldanhasanches.pt/
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.