sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A Quadratura do Circo - Que mais será preciso, Manuel?

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Por Pedro Barroso
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HÁ MOMENTOS NA VIDA em que, mesmo que não quisermos, ascendemos a um ponto em que já somos mais do que queremos.
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Há momentos em que, com efeito, significamos muito para lá do indivíduo - que tão bem conhecemos de o vermos todos os dias ao espelho, pela manhã - e temos de ser nós a avançar. E temos de dar o exemplo duma dignidade acima de nós mesmos.
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Há momentos na vida em que somos a vontade que nos amarra ao leme de uma ideia, sobretudo quando um mar português conturbado se declara.
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Momentos em que devemos escalar uma escarpa de confiança, mesmo que não tenhamos todo o equipamento e nos falte alguma certeza para o fazermos. Mesmo que seja à revelia do nosso próprio entendimento.
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Há momentos em que a vontade tem de estar para lá de nós, num projecto de alma colectiva.
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Porque é necessário abanar, arejar e ajeitar as coisas. Reconverter, renovar, arriscar o grito. Porque os cinzentos ganharam e tudo mudou.
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Porque a penumbra, meu irmão, derrotou a claridade.
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Nesses momentos, não basta dizer que estamos atentos e que desejamos uma nova ideia de esquerda e uma reflexão sobre os valores da sociedade. E o equacionamento de novas sinergias catalisadoras do pensamento politico no espaço de uma contextualização cívica alternativa. Caramba. Deixemos de perífrases, amigo.
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Não se pode mais querer e não querer ao mesmo tempo.
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Vejamos. Otelo depois das presidenciais inventou os GDUP’s, para não sei quê de vontade popular; Pintassilgo criou Núcleos de trabalho, para não sei quê de reflexão cristã; Eanes depois da presidência criou o PRD, para não sei quê.
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E também tu - da tua enorme e transversal estrada de emoções e multidão - inventaste uma coisa chamada MIC - nome infeliz e triste, a meio caminho entre algum misterioso Ministério e doença de pele - destinado a eficácia dúbia e desgaste rápido. Depois de ti, também a corajosa Helena Roseta congregou lisboetas e catalisou um grupo de acção Cidadãos por Lisboa.
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Ora bem.
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Estive de alma e coração em todas estas lutas. Mas sempre fui muito céptico face a esse tipo de generosas iniciativas de continuação do sonho.
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Não porque não devesse, numa sociedade ideal, ser assim. Não porque os grupos de cidadãos não devam lutar e abrir brechas. Não porque a luta não deva continuar para lá do elã inicial. E também não porque seria injusto deitar fora milhares de votos de um acreditar significativo e entusiasta. No teu caso um milhão.
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Mas passa-se que no espaço português e na nossa lei a intervenção verdadeira ao mais alto nível politico está interdita a grupos autónomos de cidadãos e apenas reservada a Partidos convencionais - mesmo que, quantas vezes, insignificantes e formados sem ideologia nem espaço próprios.
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Por isso as outras soluções, desculpa-me, Manuel, mas são espaços que têm o valor que têm, e nada mais valem que o horizonte limitado de uma acção evocativa, com uma componente cívica híbrida, a meio caminho entre as ONG’s e a tertúlia de café. Destinadas a uma duração efémera, quase diria a um arrastar inglório e triste de uma ideia saudosa, por vezes entusiasta, mas em rota de declínio anunciado.
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Mas tu sabes como ninguém que há espaço de alma na esquerda para este novo rumo. E que é preciso acreditar de novo, pois o partido Socialista que temos desapareceu do mapa da verdade e criou autismos indisfarçáveis face ao Ensino, à Justiça, à Saúde, ao Sindicalismo, à Banca, à Pobreza e à Vida.
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Não se pode dizer que não se avança, quando tudo pede que avancemos. Este partido, com efeito, de socialista nada tem. Um filho nosso, por muito que o tenhamos criado e amado, também pode estar errado. E manda a hombridade que o assumamos, com o desgosto maior mas a alma aberta de desassombro e lhaneza de quem sabe melhor do que ninguém que nada mais há para fazer. Como um médico desliga uma máquina a um doente que faleceu, ou mais, que tinha mandato para viver mas se desviou da vida e que desejou falecer de sua vontade. Em corpo, teoria, propósitos, programa, espírito e inspiração.
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Olha à tua volta, Manuel.
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Cargos e tachos perlando de carteira recheada os conjurados de outrora. Desses estudantes aguerridos, desses intelectuais desassombrados, desses homens de mão destemidos, dessa verve exaltada e desse gosto imenso a liberdade, afinal que nos resta hoje? Onde estão eles?
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Andam aí. Vestem fatos elegantes e são consultores em várias empresas. Aprenderam a mentir e prometer. São a reles imitação do que já foram e da alma enorme que tiveram. Constituem um Circulo central estabelecido de equívocos e serviços, integram uma agradável e blindada tertúlia de favores em eternas e escabrosas promiscuidades entre o poder e a causas públicas. Assim se fazem as cousas, como escreveu o mestre Gil.
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Entre o poder dos cargos e o sofrer dos encargos será que não podemos fazer nada?
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Creio que sim – PODEMOS.
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Porque, se assim ficarmos sempre, eles já ganharam e ganharão sempre, Manuel.
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E nós ficaremos, na fímbria do terreno - muito atentos e solidários, muito construtivos e opiniosos, muito “pensadores e reflexivos” sobre os problemas da esquerda e do Mundo - a observar a injustiça galopante, o autismo, o clientelismo, a corrupção, o fascismo autoritário, a ilusão maquilhada de competência. Vendendo Magalhães ao preço de Guantanamo e comprando empresários ao preço dos milhões que, afinal, nunca valeram.
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Quando os Bancos nos mentem e a Alta Autoridade Constância não sabe, não viu, não deu por isso, não tinha competências nem meios para agir.
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Quando a prioridade é salvar os ricos; os podres de tão ricos; podrissimamente podres de tão podremente ricos. E não o sujeito passivo, o que come uma sopa apressada numa qualquer manjedoura urbana, porque as prestações obrigam a que faça contas, e chegou à triste conclusão de que já não pode almoçar.
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Quando nas escolas se reconverteram funções sagradas e fulcrais de ensino e aprendizagem por trabalhos de secretaria, confundindo, baralhando e ocupando os professores em actividades de autoflagelação e viroses titulares conduzindo a uma guerra sem igual, perante a ferocidade de uma mulher demente.
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Quando, nos media, as playlist, a imbecilidade, o analfabetismo, o compadrio e o relaxe constituem novos modos de censura sem lápis azul; quando a liberdade de opinião e o conhecimento se convertem num handicap de acesso; e quando a grande Cultura incomoda por ainda preservar uma vaga noção moral diluída num universo da culpa perseguida.
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Quando os socialistas todos se interrogam sobre se isto tudo o que estamos a viver é vida; se esta é uma governação socialista; se este não é um acto de intenções a eternizar-se no futuro, perante a inércia e a placidez critica e contemplativa de grande parte da melhor massa cinzenta nacional que, ou se demite, ou emigra, mas acaba por se acobardar no momento do confronto social.
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Quando o bom senso desapareceu. E o governo pensa que é eterno, perfeito e infalível. E esvaziou maiorias absolutas, valores, programas, ideologias e oportunidades. Quando a esquerda pensa, pensa, mas não gera. Quando os comunistas fazem o que sempre souberam fazer, isto é: - comunistam comunistãmente. E a oposição pensa, e ainda julga que é, mas não é, nem contem alternativa. Ou, se calhar, não pensa, não sabe escolher, não é, nem quer ser alternativa…
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Então…
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Não é tempo de pensar, nem repensar, nem reflectir, nem discutir, nem tecer considerandos filosóficos sobre a ideia de socialismo. É tempo de avançar da única forma possível activa e consequente. O resto é o manto diáfano da fantasia cobrindo a nudez forte da verdade. Enquanto temos a memória dos dias vividos e o milhão de pessoas que connosco acreditaram, desculpa que te ponha a coisas deste modo meu caro amigo, mas…
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…porra! … De que mais precisas, Manuel?
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Estamos todos aqui à tua espera.
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.