terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Ecos cósmicos

Por Nuno Crato
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TUDO COMEÇOU há 38 mil anos, ou mais. Não se sabe ao certo. Uma estrela explodiu com o brilho de cinco mil milhões de sóis. Lançou para o espaço os detritos da sua matéria e a luz da explosão seguiu em todas as direcções. Em 11 de Novembro de 1572, chegou à Terra. As pessoas, habituadas à constância do firmamento, repararam que havia uma estrela a mais na Cassiopeia. Ficaram espantadas. Os sábios pensaram que se tratava de um fenómeno meteorológico, que se confundiria com uma estrela. Aristóteles tinha ensinado que os céus eram perfeitos e imutáveis — nada se poderia ter passado no firmamento.

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A luz chegou também aos olhos do maior astrónomo da época, o dinamarquês Tycho Brahe, que fez medidas de paralaxe muito precisas e provou que esse ponto de luz estava para além da Lua. Não podia ser um fenómeno atmosférico. Era uma «estrela nova».

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A nova — ou supernova, como depois veio a ser chamada — começou a perder brilho em fins de Novembro. Em Março de 1574 tinha-se desvanecido. O que ficou foi o eco das observações de Tycho Brahe, que anunciavam o fim da astronomia antiga.
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Nunca se soube que tipo de explosão teria originado a supernova de 1572, que foi uma das mais violentas registadas na história das observações astronómicas. A astrofísica, entretanto, evoluiu muito. Pode-se hoje saber o que anteriormente se considerava para sempre vedado à ciência. Analisando as componentes da luz com uma técnica chamada espectroscopia conseguem-se descobrir os elementos químicos na origem da fonte luminosa. Como seria bom que a luz da supernova de 1572 ainda fosse visível! Se isso acontecesse, pela espectroscopia poder-se-iam detectar os elementos químicos presentes na estrela e, com esses dados, perceber que tipo de estrela tinha explodido. Muito seria acrescentado ao conhecimento do cosmos.
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Surpreendentemente, o desejo dos astrónomos veio a tornar-se realidade. Quando a estrela explodiu, emitiu luz em todas as direcções. Parte dessa luz dirigiu-se directamente para a Terra e foi detectada em 1572. Mas outros raios luminosos dirigiram-se para outras paragens. Umas centenas de anos depois da explosão inicial, alguns desses raios vieram a encontrar uma nuvem extensa de poeira interestelar e a iluminá-la. A luz reflectiu-se. Alguns dos reflexos só agora chegaram à Terra pois fizeram um trajecto mais extenso do que a luz de 1572. Foram detectados pelo telescópio Subaru, no Hawai. São ecos muito fracos da explosão inicial. Curiosamente, parecem mexer-se, pois são resultado de reflexões de luz em partes sucessivamente mais longínquas da nuvem de poeiras, que nos vêm chegando desfasados.
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O astrónomo Oliver Krause e a sua equipa publicaram a descoberta esta semana na «Nature» (456, 617–619). O estudo da luz revelou a presença de silício, enxofre e ferro, elementos que indicam tratar-se de um tipo de explosão denominada «supernova Ia». Sendo assim, o que explodiu foi um sistema binário de anãs brancas. Uma das estrelas aumentou de massa roubando matéria à sua companheira. Quando atingiu o chamado limite de Chandrasekhar (1,4 vezes a massa do nosso Sol), explodiu num evento termonuclear que dispersou luz em todas as direcções. Pelos vistos, os sinais dessa explosão continuam a chegar à nossa velha Terra. E agora sabemos decifrá-los.

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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 6 de Dezembro de 2008 (adapt.).
Para saber mais: ver [aqui]. Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

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