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Por Antunes Ferreira
Por Antunes Ferreira
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É MESMO NA ESQUINA da Rua da Misericórdia com o Camões. Lá está sedeado o negócio do Senhor Muhamad. Disse-me um empregado da pastelaria que ali existe que o cidadão é do Banga não sabe quê. Ou do Bonga, como os sumos. Dada a cor da epiderme do Senhor Muhamad, o seu cabelo negro escorrido e outros dados antropomórficos, tenho para mim que o país em causa deve ser, sim, o Bangladesh.
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É uma empresa indiscutivelmente comercial. E sazonal. Passo a explicar. O sujeito é o proprietário de uma carrinha de madeira, rodas tipo pneu de bicicleta, sem motor, sequer mesmo auxiliar. A energia é a do marchante, ainda que pareça não ser muita. Quiçá, a suficiente. Para ser mais exacto, do pedalante. O homem enfiou um barrete – de Pai Natal, dando origem a uma curiosa confrontação entre o vermelho e o branco do gorro e a tez morena carregada do utente.
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Na viatura estacionada no passeio, como quase todas as outras mais ou menos motorizadas, avultam os adereços natalícios. As coberturas do Santa Claus estão em maioria multifacetada. Há maiores, menores, de acordo com a vontade e a cabeça do candidato a freguês. Umas possuem um par de tranças obviamente alvas. Cheirou-me a Mãe Natal. Ou Mamãe Noel, em versão com ritmo de samba. Que, dada a época e as festas deve ser de uma nota só. Sei lá: de cinco euros, pode ser que seja. Talvez de dez, não mais.
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Os cintos da farda rubra debruada a algodão falso como judas também fazem um vistaço. Plástico puro, brilhante, até a fivela também é de aço sintético. Não vi botas, mas vi grinaldas de luzinhas, vi sprays de neve, presépios simplesmente honestos, estrelas, bolas policromas e, mesmo uns pinheiros obviamente artificiais, sem grandes pretensões e de tamanhos enfezaditos. E barbas encaracoladas, a fingir.
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Uma parafernália nataleira made in China. Enriquecida por uns quantos brinquedos, modestos, mas aparentando a satisfação do dever cumprido. E comprido, ainda que os dias encurtados acabem cedo. Mas não há como parar os relógios ou arrancar as folhas dos calendários em suporte papel. Do antigamente. Aliás, deixem-me que vos diga que um relógio parado está sempre certo – duas vezes por dia.
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Nas pedrinhas calcárias um cãozito dá saltos mortais de costas e um que outro flique-flaque. Basta ter as pilhas necessárias e suficientes para lhe dar a agilidade e o savoir-faire de ginasta emérito. Não vi o comandante Vicente de Freitas, mas os olímpicos também não andam pelas ruas, muito menos os presidentes de comités.
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Está também presente um palhaço que toca furiosamente pratos. Enquanto lhe duram as pilhas também oriundas da RPC. E um Pai Natal que sobe por uma corda para chegar a todas as chaminés, se não do Mundo, pelo menos de Lisboa. E outro que, o desavergonhado, baixa as calças para exibir umas cuecas brancas com pintinhas amarelas.
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O Senhor Muhamad conta, com alguma apreensão, os réditos do dia. Os automóveis já acenderam os faróis e o comércio parece um tanto às moscas. Desalentado, tira o barrete que enfiou e coça a grenha desalinhada por mor do vento. Um cavalheiro que ali se plantou, ao vê-lo descoroçoado, comenta para ninguém: «É a crise…»
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E o honesto comerciante, que aparentemente se alheara face à exiguidade dos euros: «Crisi flia do puta!» Aprendem depressa e bem o Português, estes imigrantes orientais.
É MESMO NA ESQUINA da Rua da Misericórdia com o Camões. Lá está sedeado o negócio do Senhor Muhamad. Disse-me um empregado da pastelaria que ali existe que o cidadão é do Banga não sabe quê. Ou do Bonga, como os sumos. Dada a cor da epiderme do Senhor Muhamad, o seu cabelo negro escorrido e outros dados antropomórficos, tenho para mim que o país em causa deve ser, sim, o Bangladesh.
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É uma empresa indiscutivelmente comercial. E sazonal. Passo a explicar. O sujeito é o proprietário de uma carrinha de madeira, rodas tipo pneu de bicicleta, sem motor, sequer mesmo auxiliar. A energia é a do marchante, ainda que pareça não ser muita. Quiçá, a suficiente. Para ser mais exacto, do pedalante. O homem enfiou um barrete – de Pai Natal, dando origem a uma curiosa confrontação entre o vermelho e o branco do gorro e a tez morena carregada do utente.
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Na viatura estacionada no passeio, como quase todas as outras mais ou menos motorizadas, avultam os adereços natalícios. As coberturas do Santa Claus estão em maioria multifacetada. Há maiores, menores, de acordo com a vontade e a cabeça do candidato a freguês. Umas possuem um par de tranças obviamente alvas. Cheirou-me a Mãe Natal. Ou Mamãe Noel, em versão com ritmo de samba. Que, dada a época e as festas deve ser de uma nota só. Sei lá: de cinco euros, pode ser que seja. Talvez de dez, não mais.
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Os cintos da farda rubra debruada a algodão falso como judas também fazem um vistaço. Plástico puro, brilhante, até a fivela também é de aço sintético. Não vi botas, mas vi grinaldas de luzinhas, vi sprays de neve, presépios simplesmente honestos, estrelas, bolas policromas e, mesmo uns pinheiros obviamente artificiais, sem grandes pretensões e de tamanhos enfezaditos. E barbas encaracoladas, a fingir.
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Uma parafernália nataleira made in China. Enriquecida por uns quantos brinquedos, modestos, mas aparentando a satisfação do dever cumprido. E comprido, ainda que os dias encurtados acabem cedo. Mas não há como parar os relógios ou arrancar as folhas dos calendários em suporte papel. Do antigamente. Aliás, deixem-me que vos diga que um relógio parado está sempre certo – duas vezes por dia.
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Nas pedrinhas calcárias um cãozito dá saltos mortais de costas e um que outro flique-flaque. Basta ter as pilhas necessárias e suficientes para lhe dar a agilidade e o savoir-faire de ginasta emérito. Não vi o comandante Vicente de Freitas, mas os olímpicos também não andam pelas ruas, muito menos os presidentes de comités.
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Está também presente um palhaço que toca furiosamente pratos. Enquanto lhe duram as pilhas também oriundas da RPC. E um Pai Natal que sobe por uma corda para chegar a todas as chaminés, se não do Mundo, pelo menos de Lisboa. E outro que, o desavergonhado, baixa as calças para exibir umas cuecas brancas com pintinhas amarelas.
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O Senhor Muhamad conta, com alguma apreensão, os réditos do dia. Os automóveis já acenderam os faróis e o comércio parece um tanto às moscas. Desalentado, tira o barrete que enfiou e coça a grenha desalinhada por mor do vento. Um cavalheiro que ali se plantou, ao vê-lo descoroçoado, comenta para ninguém: «É a crise…»
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E o honesto comerciante, que aparentemente se alheara face à exiguidade dos euros: «Crisi flia do puta!» Aprendem depressa e bem o Português, estes imigrantes orientais.
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.