terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Recordações de Novembro


Por Alice Vieira
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TALVEZ TENHA SIDO por causa da chuva, do mau tempo, destes dias cinzentos com a noite a ameaçar às quatro da tarde, ou talvez não tenha sido por nada disso — o certo é que no domingo passado dei comigo a recordar duas datas sempre muito dolorosas para mim.
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Por motivos diferentes, e a magoarem também de maneira diferente.
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No dia 30 de Novembro de 1975 morria, no Brasil, Erico Veríssimo. É provável (é quase certo…) que este nome não diga nada hoje às gerações mais novas — e se calhar muito pouco às outras.

Temos memória curta e, no que toca a nomes de escritores, memória curtíssima. Como aquelas pessoas que dizem “eu, para nomes…”. Erico Veríssimo foi um dos homens da minha vida.
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Não houve escritor nenhum que me tivesse influenciado tanto. Acho mesmo que a vontade de escrever, a descoberta da maravilha que era usar as palavras para contar uma história — e, mais do que isso, para transmitir uma emoção — foi com ele que aprendi.

Porque ele chegou à minha vida quando eu tinha seis anos. Li tudo o que encontrei, percebesse ou não a história mas cativada pela música das palavras — e paixões dessas não acabam nunca.
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Foi-me sempre acompanhando. E em adolescente tive a certeza absoluta de que ele me tinha conhecido, quem sabe se numa outra vida, pois só assim se compreendia que ele tivesse feito o meu retrato em “Clarissa”.
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Paixão tão forte que trago sempre um retrato dele na minha carteira — juntamente com os retratos da família, dos amigos e dos (outros) homens da minha vida.
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É uma fotografia muito bonita, em que ele está debruçado sobre a máquina de escrever, e uma luz incide sobre a sua cabeça, tornando-o no único foco de claridade no meio de uma sala muito escura.
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Foi um dos filhos que me ofereceu a fotografia - igual à que fui encontrar o ano passado numa sala da Universidade de Brasília, e eu a dizer para a professora que me esperava, “olhe, tenho uma igual na carteira!” e ela “sério? “ , e eu a tirá-la e as duas ali em adoração…
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Não me perdoo não ter chorado suficientemente a sua morte.
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Mas ele morreu em pleno ardor revolucionário, o 25 de Abril tinha pouco mais de ano e meio, ninguém tinha tempo então para pensar nessas coisas. Acho mesmo que nem dei por isso — e tenho a certeza de que os jornais de então também não devem ter gasto muito espaço com a notícia.
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Os jornais… Pois... A outra recordação triste que me traz o dia 30 de Novembro tem a ver com jornais: foi nesse dia, há oito anos, que morreu o “Diário de Lisboa”. Que, para mim, foi muito mais do que um jornal: foi o lugar onde se desenhou a minha vida inteira.
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São duas mortes que me hão-de magoar sempre.
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E que não esquecerei nunca.
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«JN» de 7 de Dezembro de 2008. Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados. A foto aqui afixada não é a que a autora refere no texto.

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