terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O Regresso de ‘O Independente’

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Por J. L. Saldanha Sanches
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O INDEPENDENTE ERA UM JORNAL malcheiroso com um significado que o ultrapassava: as primeiras páginas que o tornaram famoso eram o sinal mais expressivo do período em que os enriquecimentos ilícitos foram a questão central da política portuguesa.
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No Governo estava Cavaco Silva e o dinheiro jorrava de Bruxelas: era preciso gastá-lo depressa e tolerar algumas irregularidades – constava ser esta a posição de Cavaco – senão o direito de o receber caducava. Foi assim que tudo começou.
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‘O Independente’, com as suas indignações fulminantes, reflectia muito bem o despeito de quem já estava instalado perante a rapidez com que políticos, que vinham para Lisboa com carros a cair aos bocados, passavam para BMW topo-de-gama.
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De vez em quando um deles tinha um processo-crime, apesar de a justiça desse tempo ainda funcionar pior do que a de hoje. Então, quando o processo era arquivado por falta de provas, Cavaco Silva mostrava a sua indignação pelo modo como jornalistas sem escrúpulos e magistrados incompetentes manchavam a reputação de homens impolutos.
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Não é que os jornalistas de ‘O Independente’ fossem muito escrupulosos ou que os magistrados fossem muito competentes. Que os tais homens fossem impolutos é que era mais duvidoso.
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É isso que dá um imperdível odor a dejá vu ao caso BPN. A única diferença e que aqui a conta que vamos pagar por causa das ilicitudes está devidamente contabilizada e temos o caso extraordinário do crime ser cometido à vista de toda a gente: ao que parece, o BPN funcionava sem reuniões do Conselho de Administração e sem actas. Um pormenor insignificante do qual o Banco de Portugal, apesar da aturada vigilância a que submetia o BPN, nunca deu conta.
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Conselho de Administração havia: ainda que nos últimos anos (segundo as informações que obtivemos no site institucional do Banco) estivesse muito reduzido. Actas, é que não. Um estilo de governação societária rodeado de cuidados conspirativos e aprendido na Palermo Business School. Um estilo que em Lisboa pode durar por tempo indefinido: ainda no ano passado o banco anunciava um lucro muito confortável, e, como diziam os últimos auditores (que revelaram uma excelente adaptação à cultura peculiar da instituição) num relatório assinado em Abril de 2008, as suas demonstrações financeiras apresentavam de forma verdadeira e apropriada a posição financeira do BPN.
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Tudo isto é um pouco mais desconfortável para Cavaco Silva que as tais primeiras páginas de ‘O Independente’, mas o seu modo de reagir é mais ou menos o mesmo: não se pode dar demasiada atenção ao que se publica nos jornais, nada está provado, ainda ninguém foi condenado. Provavelmente o Dr. Dias Loureiro anda demasiado agitado para o seu gosto, mas não é fácil passar de repente de king maker do PSD (lembram-se do tom paternal com que eles nos contava as suas conversas com o Pedro para explicar porque não tinha dado mais apoio a Santana Lopes?) para o estado de radioactivo.
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Mesmo assim Cavaco Silva vai continuar apoiá-lo, a menos que ele vá ao Palácio de Belém para confessar que é culpado, o que nos não parece muito provável. Afinal de contas, a respeito de má moeda e de boa moeda, a situação (para mal dos nossos pecados) não é tão clara como parecia há alguns anos.

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«Expresso» de 29 de Novembro de 2008 www.saldanhasanches.pt/
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Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.