terça-feira, 2 de novembro de 2010

Ruído ainda mais branco

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Por Nuno Crato

SE O LEITOR começar a dizer palavras ao acaso, rapidamente reparará que se repete. O acaso é difícil de atingir. O mesmo acontece se quiser inventar números aleatórios. Pode fazer a experiência. Construa, por exemplo, uma sequência de números inteiros com dois dígitos. Teste-os depois num dos vários instrumentos que pode encontrar online (procure no Google, por exemplo, em “test for randomness”). Verá que é difícil passar a prova.

Tudo isto seria apenas uma curiosidade se o acaso não fosse necessário. Mas é. Obter números aleatórios tornou-se imprescindível para organizar amostragens industriais, para realizar sondagens e, mais recentemente, para proceder a trocas seguras de informação. Sempre que o leitor faz uma compra pela Internet ou ordena uma transferência, o sistema gera automaticamente números aleatórios para garantir que há uma chave criptográfica nova que codifica a informação. É desta forma que se impedem os ciber-piratas de recolherem os dados das transacções e penetrarem na sua conta bancária.

Felizmente, inventaram-se processos matemáticos recursivos para gerar números ao acaso. Na realidade, estes processos não geram números verdadeiramente aleatórios, mas sim números pseudo-aleatórios, como se diz, pois são construídos de forma determinística. Isso acaba por não ser importante, pois quando passam todos os testes estatísticos tornam-se indistinguíveis de sequências verdadeiramente aleatórias.

As sequências de números verdadeiramente aleatórios, não correlacionados e com média zero, recebem o nome de “ruído branco”. É uma designação curiosa. Provém da engenharia electrotécnica, pois o espectro desse “ruído” tem componentes de todas as frequências em igual distribuição, tal como a luz branca tem todas as cores. Dito de outra forma: não se detectam ciclos particulares de repetição de padrões.

Ao princípio, os números aleatórios eram gerados em avanço e fornecidos em tabelas impressas, que os investigadores depois usavam. Tornou-se célebre um calhamaço que a empresa norte-americana RAND publicou em 1955 com um milhão de dígitos. Mais tarde, os números aleatórios começaram a ser gerados no computador à medida que são necessários. Software como o Excel tem embebido um processo de geração que, apesar de imperfeito, serve para muitas aplicações. Se o leitor escrever =RND() numa célula, por exemplo, gera um número aleatório uniformemente distribuído entre 0 e 1. Copie essa fórmula para as 50 ou 100 células abaixo. Faça um gráfico da coluna e poderá visualizar algo que se aproxima de ruído branco. Se carregar sucessivamente na tecla F9, poderá divertir-se a ver a sequência a mudar.

Recentemente, tem havido um grande interesse em inventar processos físicos de geração de verdadeiros números aleatório (“TRNG: true random number generators”). A investigação tem-se dirigido para criar ruído verdadeiramente branco, rápido de produzir e com circuitos muito elementares, de forma que possam ser incorporados em telemóveis e outros aparelhos.

No Parque Tecnológico de Belfast, um grupo de investigadores conseguiu agora criar um sistema muito mais pequeno e fiável do que os anteriores (“Electronics Letters” 46-14). A parte mais difícil foi criar o circuito electrónico simples e o processo de medir o ruído, ou seja, as oscilações imprevisíveis do circuito, e de o transformar em números aleatórios. Passa-se do calhamaço ao computador e deste a um circuito microscópio. É ruído branco feito a partir de ruído branco. Nada podia ser mais branco.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 30 Nov 10