quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Racionalidades

.
Por João Duque

POR VEZES, os governantes esquecem que os agentes económicos, apesar de tudo, são racionais. Por isso, um anunciado aumento de impostos provoca reacções que não são de espantar. O problema é que, por imposição legal, tem de haver um prazo mínimo entre o anúncio da intenção, a discussão da proposta, a aprovação da ideia e finalmente a sua implementação. Tal prazo é, por vezes, na óptica do Estado, muito penalizadora, uma vez que entre o anúncio de uma medida e a sua entrada em vigor vai um prazo de tempo tal, que permite um comportamento que é exactamente contrário ao que se pretendia, reagindo os agentes económicos por antecipação.

Se anunciam um aumento de impostos sobre o consumo do tabaco ou do álcool com intenção de reduzir esse consumo, então dispara a venda dos mesmos no curto prazo porque os consumidores, agindo racionalmente, querem antecipar a compra e reduzir assim o impacto do aumento da tributação.

Se querem penalizar os futuros reformados a partir de determinada data, aqui d'el rei que chovem os pedidos de antecipação de aposentação por parte de quem, agindo racionalmente, acaba por fazer agravar o encargo com essas reformas e obtendo-se assim um resultado oposto ao projectado.

Se querem penalizar com impostos sobre o rendimento as pessoas singulares ou colectivas, nomeadamente através de impostos sobre dividendos, eis que várias empresas correm racionalmente a antecipar essa distribuição para evitar parte do impacto previsto ...

Se querem aumentar o IVA sobre alguns bens, especialmente os de valor muito elevado (por exemplo viaturas ou barcos de recreio) então os agentes, racionalmente, antecipam-se na compra porque sabem que essa antecipação significa uma poupança significativa de impostos.

Quando se tratava de desvalorizações cambiais o mercado só era informado na exacta hora. Costumava-se dizer que a medida era tomada entre dois: o primeiro-ministro e o ministro das finanças. Nem as respectivas mulheres (se as houver) estão autorizadas a sabê-lo...

Não é assim de estranhar a notícia de que a venda de viaturas entre Janeiro e Outubro de 2010 em Portugal tenha crescido 38% face ao número do período homólogo do ano anterior.

Mas pode haver outra razão... Na Argentina, quando congelaram as contas bancárias, os bens móveis (automóveis, barcos e aviões) eram usados como forma de entesouramento e saída de divisas. Os proprietários conduziam, navegavam ou voavam para fora do país e convertiam em liquidez os meios então usados para outros fins.

Será que o mercado está a reagir do mesmo modo em Portugal e na Irlanda onde o número de viaturas vendidas mais cresceu em relação ao ano anterior?

Estará o mercado a antecipar já uma actuação semelhante à que se observou na Argentina?... Só me falta comparar os dados sobre compras de barcos de recreio e aviões...
.
«DE» de 18 Nov 10