sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Espiões

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Por João Paulo Guerra

DAVID JOHN Moore Cornwell, a.k.a (‘also known as’) John Le Carré, havia de ter gostado de inventar esta história. Mas lá na Cornualha, onde vive, não há histórias destas. E assim, o autor de "O espião que saiu do frio" tem que se contentar com a sua própria imaginação. E desse modo perde, porque a ficção a consideraria provavelmente absurda, a história do chefe dos espiões que anunciou a demissão na véspera de uma Cimeira da NATO no país cuja espionagem externa chefiava. O caso estará para a espionagem com Saltillo esteve nos anos 80 para o futebol: desencadear uma cena de contestação ao sistema mesmo em cima do acontecimento.

A verdade é que a Cimeira da NATO traz a Portugal mais de três mil espiões. Três mil credenciados, porque com os espiões a sério serão muitos mais. E num tal cenário, mais espião, menos espião não aquece nem arrefece. Acontece, porém, que o demissionário não é um espião qualquer: é, ou era, o chefe do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, apresentado pelo conhecedor Diário de Notícias como uma espécie de "CIA portuguesa". A velha raposa David John Moore Cornwell exultaria com a informação de que o demissionário frequentou com aproveitamento o Curso de Língua Russa na Associação de Amizade e Cooperação Iuri Gagarin e não descansaria enquanto não lhe encontrasse na biografia uma passagem discreta por Cambridge. Mas isso daria apenas uma novela de ficção.

A realidade é que o chefe dos espiões portugueses anunciou a demissão em cima do acontecimento da Cimeira da NATO, apresentando como razões os cortes orçamentais que vão levar ao encerramento de várias estações da espionagem portuguesa.

A Cimeira da NATO começa com uma brecha no Ocidente e com Portugal a ter que tapar um buraco.
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«DE» de 19 Nov 10