sábado, 22 de janeiro de 2011

Abertura fácil

.
Por Antunes Ferreira

HÁ ALGEMAS em Portugal que são como os pacotes de Tetra Pak: com abertura fácil. Não se sabe ao certo se são muitas ou são poucas. Mal pareceria, num País em que não se pode acreditar em sondagens (pelo menos no entender de muitos candidatos ao que quer que seja), em que não se pode acreditar nos dados do Instituto Nacional de Estatística, em que não se pode acreditar nas previsões meteorológicas, que se soubesse a quantidade delas. Em tempo: e, ainda, em que se não pode acreditar no Governo, uma cambada de mentirosos a começar pelo chefe.

Diz-se por aí que as algemas distribuídas às forças de segurança são tão fraquinhas que há agentes que compram das fiáveis com a bolsa própria. O tema veio à cena, a propósito do episódio trágico-caricato da fuga de três perigosos traficantes de droga, que se terão livrado delas numa carrinha de transporte de presos e fugido nas barbas dos guardas prisionais que os custodiavam – e à porta da local onde iam ser interrogados: o DCIAP, sigla que quer dizer Departamento Central de Investigação e Acção Penal. Dois dos fugitivos continuam a monte. O terceiro consta que não tinha nada a ver com o assunto: limitou-se a aproveitar a deixa. Curiosa situação que, no entanto, não causa grande espanto: nesta terra bendita espera-se tudo.

No dia da singular ocorrência, terça-feira passada, o director-geral dos Serviços Prisionais Gomes, admitiu que ele próprio conseguira retirar com alguma simplicidade umas algemas semelhantes às usadas pelos suspeitos evadidos. «Estas algemas não são específicas nossas, são de todas as forças de segurança. Fiz uma experiência, consegui abri-las sem chave e não sou bandido. Isso preocupou-me. Uma das medidas a tomar será mudar este tipo de algemas». Lapidar.

Complementarmente, o referido dirigente não se coibiu de declarar no Parlamento, onde era ouvido, que as algemas não eram lá grande coisa. Não chegou, no entanto, ao não valem nada. Pudera. Mas, quem o quiser entender assim - está no seu direito. Pelo sim, pelo não, mandou fazer uma investigação completa sobre a anedota no mínimo inquietante.

Brada aos céus. Tudo parece indicar que uma vez mais, a culpa vai morrer solteira neste desgraçado torrão natal. Depois de casas roubadas, trancas à porta diz a sabedoria popular. Pelo andar das carruagens das investigações, sabe-se lá quando sairão as conclusões. Se saírem, ou seja, se as houver.

Sindicatos das polícias e afins declararam que a qualidade e a quantidade dos equipamentos entregues aos diversos agentes de todas as forças de segurança são irrisórias. Por outro lado, neste episódio de ópera bufa, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (que estranha situação esta de titulares de um dos poderes do Estado serem sindicalizados), ainda que não tivesse escutado as declarações do reponsável já mencionado, estranhou o seu conteúdo. E disse que não sabia «se o director das prisões se transformou agora num instrutor de retirar algemas…»

Desde os tempos de Viriato e de Sertório, somos um caso sério. Foi o romano, depois de se passar para o lado dos lusitanos, quem escreveu numa carta para amigos na cidade do Tibre que «os lusitanos são um povo estranho: não se governam, nem se deixam governar». O mais comum dos mortais sabe disto; mas, de quando em vez, parece-me bem recordar a epístola, que até hoje retrata sucinta e concretamente o que realmente nós, os Portugueses somos. Heranças dão nisto e em muito mais.

Vivemos no domínio do surrealismo mais puro. Não vale a pena assobiar e olhar para o lado, como se tornou hábito por cá. Um episódio destes nem Franz Kafka não faria melhor. Portugal, para além de continuar a ser um caso sério, não pode ser levado a sério.