sábado, 15 de janeiro de 2011

A ilha do Tesouro

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Por João Duque

O ESTADO emitiu pelo menos 5000 milhões de euros em dívida pública que é detida pelo próprio Estado! O Estado a dever a si próprio!

Terra à vista, capitão!

E avistada a prometida guarida costeira, mandou o nosso capitão, o terror dos mares meridionais, fundear a nau e aparelhar a escuna com 15 homens que com ele foram em expedição a terra seca.

E chegados a terra, foi o capitão orientado pelo mapa em pele de índio pintado, alcançando o almejado local onde antes o escondeu. Deitaram mãos ao labor os mais fortes da marinhagem. A expectativa crescia pois as enxadas, que a terra atacavam, nada traziam, nem deixavam adivinhar sortes melhores que as de uma toca maninha. Onde estaria o Tesouro? Tê-lo-iam roubado? Estaríamos a escavar em descuidado lugar?

Fizeram saber que 18 gestores públicos, não acatando as ordens do Ministério das Finanças, terão aplicado 315 milhões de euros fora do Tesouro. Isto é, o tesouro das empresas fora 'escondido' fora do Tesouro da fazenda nacional.

A ideia do Ministério das Finanças é óbvia: concentrar toda a tesouraria e disponibilidades de todas as instituições públicas para assim evitar que o Estado se endivide mais. Para quê pedir dinheiro emprestado pagando juros elevados para financiar uns se há outros com excesso de tesouraria que o aplicam a taxas mais baixas? Quem ganha com a intermediação? Os intermediários. Quem perde com a intermediação? O Estado.

Os gestores públicos defenderam-se argumentando que nem sempre o cofre da fazenda pública permite o tipo de operações que eles desejam: contratos de fixação de taxas de juro a prazo, credit default swaps, forwards cambiais, opções sobre matérias-primas ou produtos energéticos, etc. Esses depósitos podem então ser vistos como um custo implícito destas empresas para acederem a produtos financeiros de que necessitam e que os concorrentes usam.

Nesta incessante e fundamental busca pelo corte de custos, algo me escapa com muito maior dimensão. É sabido que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social terá um património aproximado de 9,5 mil milhões de euros. Também se sabe que, por regulamento, mais de 50% deste património têm de estar aplicados em títulos representativos de dívida pública portuguesa ou outros garantidos pelo Estado português. E é aqui que o caso parece bizarro pois o Estado emitiu pelo menos 5000 milhões de euros em dívida pública que é detida pelo próprio Estado! O Estado a dever a si próprio!

E para quê? Para fazer face a oscilações do orçamento da Segurança Social (Estado), dizem. Mas se para poder responder a compromissos assumidos tem de vender o que tem em carteira (dívida pública nacional) como é que isso difere da emissão de nova dívida? Se não houver quem compre no mercado primário acham que alguém lhe pega no mercado secundário em caso de necessidade?

E já nem falo na bizarria dos juros pagos pelo Estado ao dito Fundo do Estado!

Se procuram formas de eliminar dívida abatam esta de imediato ou então, o que seria muito mais sensato, troquem-na por outra. Mas não se esqueçam de que em tal caso estamos a endividar-nos para financiar terceiros...

Jack Sparrow, o pirata das Caraíbas, está feliz: encontrou o Tesouro cheio de títulos da sua própria dívida!
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«Expresso» de 8 Jan 11