quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Carrões

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Por João Paulo Guerra

OS PORTUGUESES têm razões que a razão não entende. E em ano de crise bateram não só o recorde da compra de automóveis que se mantinha galhardamente desde 2002 - o ano da revelação do "pântano", da fuga de António Guterres e da chegada de Durão Barroso - como melhoraram também os máximos da compra de carros de luxo. Assim é que é: cabecinhas formatadas pelas escrituras do consumismo e pelos manuais do marketing, respondendo aos apelos de mais consumo, mais endividamento.

O parque automóvel português, cujo espavento é motivo de espanto por parte de europeus mais ricos e mais esclarecidos, não cede ao choradinho da crise. E se no ano passado o brilho da chapa já ofuscava a ladainha do endividamento e do défice e afrontava a crescente pobreza do país, este ano há que manter as aparências, a ostentação. E em que modalidade poderão exibir-se os portugueses? Pela elevação do saber? Pela profundidade do pensamento e da análise? Pelo civismo dos costumes? Pelo requinte dos hábitos? Nada disso: pelo topo da gama, pelo espalhafato da carroçaria, pelo aparato da cilindrada, tudo isto apresentado em locais de grande exposição, como seja em cima dos passeios ou das passadeiras.

Aliás, os portugueses são nesta matéria muito bem conduzidos e educados pelos protagonistas e figurantes da classe política. Os carrões do Estado, em frotas permanentemente renovadas e de custos invariavelmente agravados - haja crise ou, o que não há memória, não haja - revestem e disfarçam muitas vezes a mediocridade e banalidade dos ocupantes. Qualquer funcionário de meia tigela tem direito a carro e esse é um direito adquirido com direitos colaterais: o carro pressupõe a sua própria renovação, por troca com um carro melhor. Ou, pelo menos, mais pomposo e mais caro.
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«DE» de 5 Jan 11