sábado, 30 de janeiro de 2010

A cor do dinheiro

Por João Duque

ERA A MINHA FILHA Madalena muito pequena (bebé de colo com 6 meses de idade) quando fui convidado pelo meu amigo Simão para ir almoçar a casa dele. O Simão era um bom amigo moçambicano. Para um cego, ele era exactamente igual a qualquer outro homem, mas, para uma pessoa dotada de visão, tinha um aspecto diferente do meu: era de uma raça diferente.

Chegados a casa do Simão, a mulher, que adorava crianças, tirou-me a Madalena dos braços, mimando-a com o melhor sorriso do mundo e dois beijinhos afectuosos e redondos, aconchegando-a num colo tão fofo e aninhado como só uma mãe africana tem e sabe dar. Em resposta, a Madalena desatou num choro, assustado. Era a primeira vez que a Madalena estava ao colo de uma pessoa de uma raça diferente e amedrontou-se.

São constantes as referências a investimento estrangeiro em Portugal. Habituámo-nos a ouvir notícias sucessivas sobre a bondade do investimento estrangeiro em Portugal, de tal forma que sabemos hoje quantas vezes o Estado português beneficiou empresas não nacionais para se instalarem e produzirem bens e serviços em Portugal. Sabemos que nesse caso, apesar de os lucros virem a ser repatriados, a localização de emprego e a promoção de investimento induzido, a atracção de tecnologia e novos processos de produção são atractivos a ponto de beneficiarem de modo indirecto riqueza e bem-estar que podem compensar a não tributação de alguns desses projectos.

Habituámo-nos a ver os nossos governantes dirigirem-se a Estados amigos em missões de diplomacia económica com intenções bem determinadas de captar o seu interesse e atrair os investidores desses Estados para o espaço físico português.

Nunca nos pareceram relevantes as línguas, as raças ou as cores desses investidores. Porquê? De há uns anos a esta parte, os nossos irmãos de língua e quantas vezes de sangue de Angola começaram a investir em Portugal. Muitas vezes não desenvolvem investimento de raiz, mas tomam posições de investimento que outros (entre os quais o Estado português) não querem ou já não podem manter. Bancos, indústrias, jornais e, dizem, até clubes de futebol, são alvos do financiamento de angolanos, dispostos a assumir riscos que os locais não querem ou já não podem assumir. Brasileiros tentam agora entrar nos cimentos portugueses. Aqui d'el rei que são estrangeiros... Mas, afinal, o que é que queremos? Poder, dinheiro ou dívidas? Se comemos o chocolate não podemos ficar com ele...

Infelizmente, prevejo que, com o desenvolvimento da economia portuguesa, tenhamos de continuar a vender os nossos 'anéis' para ver se ainda mantemos os dedos vivos e quentes. E se, a vender os anéis, alguém os vai comprar que sejam falantes da língua de Camões que os entendemos melhor. Para o bem e para o mal... E o capital não tem cor.

No final do almoço, a Madalena já se sentia bem ao colo da mulher do Simão. Primeiro estranhou, depois deixou-se entranhar por aquele bem-estar próximo e amigo de quem, afinal, é igual.

«Expresso» de 23 Jan 10