sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Claques

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Por João Paulo Guerra

O PS decidiu introduzir na agenda política uma questão fracturante para fracturar a “coligação negativa” da direita e da esquerda contra o Governo, da mesma forma que a esquerda à esquerda do PS lança questões fracturantes para quebrar o bloco central.

MAS AGORA É O PRÓPRIO PS que está fracturado na matéria agendada sobre legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. E que solução é que o PS usa para tentar remendar a fractura? A solução é de gesso e consiste na imposição da disciplina de voto.

A imposição da disciplina de voto pelo PS é tão ilegítima como a concessão da liberdade de voto pelo PSD. Os deputados, embora eleitos à lista, não são propriamente corpos amorfos e acéfalos que fazem o que lhes mandam os cérebros dos partidos em nome da conveniência, da táctica ou sequer da fidelidade partidária. A fidelidade é um sentimento horrível que será próprio dos animais. O que é próprio dos homens é a lealdade. E o primeiro dever da lealdade de cada homem é com a sua própria consciência. Os partidos não são donos dos votos dos deputados, sobretudo em matérias que envolvam a consciência individual. E o tempo em que uns senhores de jaquetão preto e cabeças lustrosas de brilhantina diziam todos em coro "muito bem" ao discurso do chefe morreu em 1974. Só que, pelos vistos, ficou mal enterrado.

De maneira que cada vez que um deputado fura o sentido único e obrigatório de voto imposto pela direcção do partido isso constitui uma vitória da democracia e da liberdade. Com a canga da disciplina de voto, o Parlamento poderia reduzir-se à conferência de líderes, onde cada um dos presentes levaria no bolso os votos da claque partidária. Ou, melhor dizendo, da clique que decide como vão votar os eleitos pelo povo.
«DE» de 8 Jan 10