quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Os discursos do vazio

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Por Baptista-Bastos

O ENG.º SÓCRATES E O DR. CAVACO falaram à pátria. A pátria ficou estarrecida. O primeiro teceu um plissado de banalidades, e procurou aliviar as nossas angústias inesgotáveis dizendo que as coisas corriam o melhor possível. O segundo reduziu a subnitrato o júbilo do orador. A situação é «catastrófica» e o horizonte é horroroso. O pior do pensamento do dr. Cavaco, se é que o tem ou alguma vez o teve, é que se ordena na desordem. Não há ponta de originalidade nem pingo de lirismo. Estamos danificados por dentro e por fora: falta-nos competitividade, andamos cheios de lazeira, devemos dinheiro a toda a gente, possuímos uma alma adormecida, não somos coerentes nem fluentes, o sol apagou-se dentro de nós. Enfim, segundo o dr. Cavaco, somos uns grandes desgraçados. Nem uma palavra, uma escassa, módica e tímida palavra sobre cultura, ciência, arte.


Reconheçamos que ele nunca foi consumidor do pensamento de outros. Kant ensinava que a razão partia das coisas simples e Nietzsche que as ideias nasciam do corpo. Ambos explicavam, afinal, que o difícil seria evitá-las. O dr. Cavaco conseguiu-o. É um homem feliz.

O alvoroço com que a vulgaridade das frases foi acolhida e comentada por políticos e por «comentadores» fornece-nos a exacta dimensão da mediocridade em que sobrenadamos.

Tanto o eng.º Sócrates como o dr. Cavaco são criaturas deterioradas pela rotina de quem se plagia a si próprio. Dizem, há anos, as mesmas coisas. O meu amigo Vítor Ramalho declarou, ao Sol, que eles são almas gémeas. Como não percebi a entoação ignoro se o retrato possui algo de crepuscular: lá que não é bom, não é. Nenhum deles alimentou qualquer projecto para Portugal. A ausência de ideias e a inexistência de ideologia marcaram a presença destes dois homens na política. O primeiro recebeu dinheiro a rodos, não soube distribui-lo com equanimidade e génio, e apagou a claridade espantosa do nosso sonho colectivo, reintroduzindo na sociedade portuguesa a rigidez do espeque e a gelidez do chefe. Uma das grandes mistificações da nossa história recente é aquela que induziu a tese de estarmos em presença de um «grande homem.»

José Sócrates seguiu-lhe a peugada. Obedeceu à ordem do possibilismo, às indicações económicas dominantes, e à insensata tentação dos políticos do nosso tempo: o compromisso com eles próprios. Um caminho que levou, por exemplo, o viçoso Tony Blair, de tropeção em tropeção, até ao estatelamento final. Blair é uma das inextinguíveis vergonhas da nossa época, e a «terceira via» uma fraude não só infantil porque assustadoramente perigosa.

Chegados aos discursos do fim do ano, independentemente das objecções gramaticais ou sintácticas que se lhes faça, o pior é a substância do que dizem: nada de nada

«DN» de 6 Jan 10