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Por João Duque
QUANDO ERA MIÚDO e o meu pai dizia-me "- Temos de falar logo à noite!", eu sabia que não vinha aí coisa boa. Com sorte a "coisa" ficava só pelas palavras mas, às vezes, chegava mesmo, ui, a uma orelha, ou, zás, a uma bochecha...
Mesmo com conversa marcada em agenda, esta comunicação de Ano Novo do Presidente Cavaco Silva ao país lembrou-me a conversa de meu pai. O discurso foi duro e realista sim, mas terá sido novo? Vamos fazer um pequeno teste: quais das afirmações abaixo fizeram parte do discurso do Presidente em 1 de Janeiro passado?
1-É preciso que as nossas empresas sejam capazes de enfrentar a concorrência externa.
2-O aumento da produtividade, a inovação e o progresso tecnológico são elementos-chave.
3-Temos de alterar a estrutura da produção nacional, no sentido de mais qualidade, inovação e conteúdo tecnológico.
4-É preciso não esquecer que somos um país de pequenas e médias empresas. Sem o seu contributo não é possível o crescimento da economia e a redução do desemprego.
5-O desenvolvimento exige que o Estado seja mais eficiente no uso dos seus recursos.
6-É preciso que o Estado actue com eficiência e com rigor na utilização dos dinheiros públicos e não seja obstáculo a quem quer empreender e criar riqueza.
7-Os dinheiros públicos têm de ser utilizados com rigor e eficiência.
8-Há que prestar uma atenção acrescida à relação custo-benefício dos serviços e investimentos públicos.
9-É preciso o trabalho e a determinação de todos.
10-Portugal precisa de todos, porque só com um esforço comum podemos alcançar o progresso.
11-O funcionamento do sistema de justiça ainda é um obstáculo ao progresso económico e social do país.
12-Devem ser concretizados passos decisivos para a melhoria do funcionamento do sistema de justiça.
13-A verdade é essencial para a existência de um clima de confiança entre os cidadãos e os governantes.
14-Portugal não pode continuar, durante muito mais tempo, a endividar-se no estrangeiro ao ritmo dos últimos anos.
15-As ilusões pagam-se caras.
Exactamente, nem uma! Todas pertencem aos discursos de Ano Novo de 2007 (passagens 5, 10 e 12), 2008 (passagens 1, 2, 4, 6, 9 e 11), e 2009 (as restantes)! Mas afinal onde têm andado os portugueses para não o ouvirem? De facto, o Presidente insiste em cada ano em duas ou três ideias que não se vêem melhorar, antes pelo contrário: as contas públicas pioram, a justiça afunda-se, os investimentos empresariais não se atraem, os dinheiros públicos são levianamente aplicados, a família portuguesa está desunida e a ilusão impera.
Apenas uma palavra senti nova: "situação explosiva".
Espero que as palavras proféticas pronunciadas se não venham a revelar, mas o rastilho está pegado. Ou o apagamos, ou a mão virá feroz à nossa bochecha para nos pôr no lugar. Mas desta vez não será a do pai, mas antes a de "outros a impor a resolução dos nossos problemas".
Por João Duque
QUANDO ERA MIÚDO e o meu pai dizia-me "- Temos de falar logo à noite!", eu sabia que não vinha aí coisa boa. Com sorte a "coisa" ficava só pelas palavras mas, às vezes, chegava mesmo, ui, a uma orelha, ou, zás, a uma bochecha...
Mesmo com conversa marcada em agenda, esta comunicação de Ano Novo do Presidente Cavaco Silva ao país lembrou-me a conversa de meu pai. O discurso foi duro e realista sim, mas terá sido novo? Vamos fazer um pequeno teste: quais das afirmações abaixo fizeram parte do discurso do Presidente em 1 de Janeiro passado?
1-É preciso que as nossas empresas sejam capazes de enfrentar a concorrência externa.
2-O aumento da produtividade, a inovação e o progresso tecnológico são elementos-chave.
3-Temos de alterar a estrutura da produção nacional, no sentido de mais qualidade, inovação e conteúdo tecnológico.
4-É preciso não esquecer que somos um país de pequenas e médias empresas. Sem o seu contributo não é possível o crescimento da economia e a redução do desemprego.
5-O desenvolvimento exige que o Estado seja mais eficiente no uso dos seus recursos.
6-É preciso que o Estado actue com eficiência e com rigor na utilização dos dinheiros públicos e não seja obstáculo a quem quer empreender e criar riqueza.
7-Os dinheiros públicos têm de ser utilizados com rigor e eficiência.
8-Há que prestar uma atenção acrescida à relação custo-benefício dos serviços e investimentos públicos.
9-É preciso o trabalho e a determinação de todos.
10-Portugal precisa de todos, porque só com um esforço comum podemos alcançar o progresso.
11-O funcionamento do sistema de justiça ainda é um obstáculo ao progresso económico e social do país.
12-Devem ser concretizados passos decisivos para a melhoria do funcionamento do sistema de justiça.
13-A verdade é essencial para a existência de um clima de confiança entre os cidadãos e os governantes.
14-Portugal não pode continuar, durante muito mais tempo, a endividar-se no estrangeiro ao ritmo dos últimos anos.
15-As ilusões pagam-se caras.
Exactamente, nem uma! Todas pertencem aos discursos de Ano Novo de 2007 (passagens 5, 10 e 12), 2008 (passagens 1, 2, 4, 6, 9 e 11), e 2009 (as restantes)! Mas afinal onde têm andado os portugueses para não o ouvirem? De facto, o Presidente insiste em cada ano em duas ou três ideias que não se vêem melhorar, antes pelo contrário: as contas públicas pioram, a justiça afunda-se, os investimentos empresariais não se atraem, os dinheiros públicos são levianamente aplicados, a família portuguesa está desunida e a ilusão impera.
Apenas uma palavra senti nova: "situação explosiva".
Espero que as palavras proféticas pronunciadas se não venham a revelar, mas o rastilho está pegado. Ou o apagamos, ou a mão virá feroz à nossa bochecha para nos pôr no lugar. Mas desta vez não será a do pai, mas antes a de "outros a impor a resolução dos nossos problemas".
«Expresso» de 9 de Janeiro de 2010