quarta-feira, 28 de julho de 2010

A excepção e o impossível

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Por Baptista-Bastos

A RENÚNCIA A PENSAR parece ser endémica. Como parece estar em marcha um processo substractivo que confere falsa "modernidade" a ideias que julgávamos nos sótãos das velharias ideológicas. As inflexões contemporâneas de alguns tenores da Direita resultam, logicamente, da circunstância de a Esquerda estar vazia de ideias. E uma não existe sem a outra. Chega a ser pungente o que, reclamando-se de "progressistas", alguns preopinantes declamam sobre a necessidade de se "reinventar" a Esquerda. Demonstradamente, é urgente fazer, isso sim, com que a Esquerda o seja.

Ao colocar, na agenda política, a revisão constitucional, Pedro Passos Coelho percebeu que essa questão, por extemporânea, se ergue como a excepção ao possível. E o possível é a actual relatividade das fronteiras entre a ética e o que realmente é importante para o País. A Direita não sabe.

A fome, a miséria, o desemprego, a ausência de perspectivas aumentam com a falta de decisões. A Esquerda, segundo as sondagens, continuará maioritária, mas possuímos, de facto, uma cultura de Esquerda? E que é uma cultura de Esquerda? Não me parece que alguém possa, seriamente, responder a estas perguntas. Sobretudo averiguando-se o que, em nome da Esquerda, tem sido cometido pelo PS - pelos PS's.

Há dias, numa assinalável entrevista do dr. António Marinho e Pinto ao jornalista Duarte Baião, e editada no suplemento Notícias-Sábado, do DN e do JN, o bastonário dos advogados proferiu uma afirmação que comportava uma séria advertência: "Não vão para Direito!" Conhece-se a franqueza, a coragem e a decência deste homem, alvo de críticas correspondentes à importância do que diz. Marinho fala com endereço e corre os riscos decorrentes. Estão a mandar milhares de jovens para o desemprego com leviandade criminosa. Acontece coisa semelhante com os cursos de "jornalismo". As escolas de "comunicação social" são inúmeras e "licenciam", anualmente, cerca de mil e quinhentos moços e moças, os quais, muito cedo, vêem pulverizada a concentração de sonhos que lhes foi criada. E alguns dos "professores" não servem, sequer, para receber informação telefónica de qualquer correspondente de província.

As questões estão sempre relacionadas umas com as outras. A sociedade de mercado invadiu, inclusive, as consciências. O modelo europeu de sociedade está a ser metodicamente liquidado, sem que consigamos estabelecer a conciliação, imprescindível, entre responsabilidade colectiva e responsabilidade individual. O projecto de Passos Coelho não está isolado do contexto. Como as preocupações de Marinho e Pinto no-lo dizem que devemos incitar à compreensão mútua das nossas verdadeiras urgências.
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«DN» 28 Jul 10