quinta-feira, 29 de julho de 2010

Ratos

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Por João Paulo Guerra

A JUSTIÇA PORTUGUESA é uma fecunda montanha parideira de ratos. Os processos prolongam-se no tempo, desenvolvem-se e desdobram-se, avolumam-se, incham, engrossam e, chegado o fim da gestação, saem ratos, correntezas de ratos.

Em alguma fase não identificada da gestação, os autos, os termos, os requisitórios, as pronúncias, as diligências, as precatórias transformam-se em ratos. Chegada a hora, os portugueses correm alvoroçados para a sala de espera dos tribunais, à espera da boa nova. «Nasceu. É uma menina e chama-se Justiça». Nada disso. Apenas mais uma paridela de ratos.

A interrupção, voluntária ou involuntária, da gravidez da Justiça, com reconversão em paridura de ratos, não é da responsabilidade específica de nenhum agente judicial, sejam juízes, procuradores, advogados, funcionários, como também investigadores. A responsabilidade é do sistema e tem origem no mais imbricado edifício legislativo de que há notícia: o português. Milhares de leis que se atropelam e se contradizem mas, todas elas, dotadas de mecanismos de escapamento que permitem, em quase todas as situações, que suspeitos e mesmo arguidos - desde que ricos e bem relacionados - se subtraiam à administração da Justiça. Se não forem os alçapões e escapatórias do texto das leis, se não for a complexidade e nebulosidade que torna os passos processuais inexequíveis, é o sistema recursório, permitindo que de recurso em recurso, de apelação em apelação, de delonga em delonga, se chegue à prescrição final.

Poucos dias após mais um fiasco da cadeia montanhosa Apito Dourado, os portugueses tomaram conhecimento com o fruto das entranhas das montanhas BCP e Freeport. No primeiro caso, caiu a acusação de burla qualificada, no segundo, a de corrupção. Ou seja: ratos, mais ratos.
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«DE» 29 Jul 10