sábado, 31 de julho de 2010

Os mas do Freeport

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Por Antunes Ferreira

O CHAMADO «Caso Freeport», mesmo depois do Ministério Público o ter dado por concluído, sem haver motivos para incriminar José Sócrates, continua a merecer por parte de órgãos da Comunicação Social, comentários os mais diversos, todos alicerçados nos mas mais diversos, ainda que tocando a mesma tecla. Será mesmo que Sócrates não participou activamente nele? As conclusões do processo não terão, elas próprias, sido influenciadas – pode ler-se manipuladas – pelo primeiro-ministro?

A afirmação feita por dois magistrados do grupo que se encarregou das averiguações ajudaram, ajudam e ajudarão à festa. Faltou-lhes tempo para fazer mais perguntas a Sócrates. Caiu o Carmo e a Trindade. Num processo que demorou cinco anos ou mais, faltou tempo, vejam lá, para fazer perguntas ao antigo ministro do Ambiente, hoje chefe do Governo.

Já escrevi e não tiro dos textos uma única vírgula, que José Sócrates, em quem depositei imensas esperanças e por isso nele votei, trem tido comportamentos que por complicados têm recaído sobre ele próprio. E bastantes, em número suficiente para que me dispense de aqui os enunciar. Ou seja, muito claramente: alterei em boa parte, as esperanças que alimentei.

Peço, desde já perdão das dimensões desta crónica. Mas, não posso deixar de transcrever um artigo da autoria do Embaixador de Portugal em França, Francisco Seixas da Costa, publicado no seu blogue «duas ou três coisas» na sexta-feira, 16 deste mês.

«Portugal tem uma das mais brilhantes escolas daquilo que se pode qualificar como "jornalismo adversativo". Trata-se de um apurado estilo, que exige uma grande experiência para garantir a sua hábil utilização, que consiste em relativizar e atenuar, pela negativa, qualquer notícia através da qual possa transparecer uma ideia positiva ou otimista.

Há anos que constato que esta é, verdadeiramente, uma especialização de um certo jornalismo português, muito patente nos títulos dos jornais ou dos seus "sites" informáticos, mas igualmente presente, quase por um peculiar imperativo deontológico doméstico, nos noticiários televisivos. Os exemplos são aos milhares, pelo que aconselho o leitor a estar atento, nos próximos dias, à eventual divulgação de qualquer estatística ou linha tendencial positiva. Logo verá que, no segundo seguinte, aparece uma frase começada por: "Porém ..." ou "Mas, contudo,..." ou "No entanto...".

Querem exemplos? "As praias portuguesas foram consideradas das mais limpas da Europa, em 2009. Porém, neste domínio, a Itália evoluiu mais do que Portugal, nos últimos dez anos". Ou ainda: "Há menos incêndios em Portugal em Julho de 2010 do que em idêntico período de 2009, mas isso pode ter ficado a dever-se às temperaturas mais baixas".

As estatísticas económicas e sociais são "bombo da festa" deste "jornalismo". Qualquer índice positivo em Portugal aparecerá, inevitavelmente, diminuído por um outro que permita negativizá-lo ou por uma oportuna comparação ("Contudo, dentro da UE, a economia de Malta cresceu mais no mesmo período" ou "No entanto, Portugal não conseguiu chegar ao nível de recuperação de postos de trabalho obtido por Chipre").

De notar que há uma "regra de ouro" nesta escola de jornalismo: nunca se "poluem" as notícias negativas com notas positivas, como por exemplo: "Desemprego cresceu no último mês, mas a taxa do seu crescimento tem vindo a diminuir de forma sensível, o que aponta para uma recuperação".
Era só o que faltava!, estarão a dizer os cultores do "jornalismo adversativo"».

E mais não escrevo. Era só o que faltava…